Relatório revela que o mundo não está no bom caminho para alcançar a Fome Zero até 2030 devido aos conflitos violentos, às alterações climáticas e à COVID-19
O Índice Global da Fome 2021 alerta para retrocessos na luta contra a fome, com cerca de 50 países a não conseguirem atingir a Fome Zero até 2030. Segundo o relatório divulgado hoje pela ONG Ajuda em Ação, a situação da segurança alimentar no mundo tornou-se em 2020 e 2021 ainda mais grave devido ao “cocktail tóxico da crise climática, da pandemia COVID-19 e de conflitos violentos cada vez mais graves e prolongados”.
Conflitos, alterações climáticas e COVID-19 ameaçam objetivo das Nações Unidas da Fome Zero
A mensagem da mais recente edição do Índice Global da Fome (IGF 2021), organizada e traduzida para português pela ONG Ajuda em Ação, membro da Alliance2015, é clara: o mundo como um todo – e 47 países em particular – não conseguirá atingir um baixo nível de fome até 2030. O progresso em direção à meta das Nações Unidas da Fome Zero até 2030, já de si demasiado lento, começa agora a mostrar sinais de estagnação ou mesmo de retrocesso, pondo em causa a segurança alimentar e o desenvolvimento económico e social de milhões de pessoas em todo o mundo.
Aliás, os conflitos violentos são considerados um dos principais indutores da fome, uma vez que afetam quase todos os aspetos de um sistema alimentar, desde a produção, colheita, processamento e transporte até ao fornecimento, financiamento, comercialização e consumo de fatores de produção. Dos 10 países cuja pontuação de IGF 2021 reflete níveis alarmantes ou extremamente alarmantes de fome, o conflito é um dos principais motores em 8. E a verdade é que o número de conflitos ativos continua a aumentar, pelo que se teme que a situação da fome se agrave ainda mais.
Também a COVID-19 e as alterações climáticas têm contribuído fortemente para a deterioração da segurança alimentar no mundo. Por um lado, as consequências das alterações climáticas estão a tornar-se cada vez mais graves e dispendiosas, com os países a não disporem das ferramentas necessárias para mitigar os seus efeitos. Por outro, a pandemia trouxe também novos desafios a uma situação já de si muito frágil, dando origem a uma das maiores e mais graves crises económicas que aumentou consideravelmente o número de pessoas que vive numa situação de insegurança alimentar um pouco por todo o mundo.
A fome no mundo tem vindo a decrescer ao longo das últimas duas décadas, mas desde 2012 este progresso tornou-se mais lento e a prevalência global de subnutrição – um dos quatro indicadores utilizados para calcular a pontuação do IGF – também voltou a aumentar. Na edição deste ano, o IGF posiciona um país, a Somália, num nível de fome extremamente alarmante, cinco países em níveis alarmantes – República Centro-Africana, Chade, República Democrática do Congo, Madagáscar e Iémen – e outros quatro classificados provisoriamente como tendo uma situação alarmante – Burundi, Comores, Sudão do Sul e Síria. A fome foi ainda identificada como grave em 31 países e é provisoriamente classificada como grave em mais 6 países.
Apesar dos esforços que têm sido feitos, o mundo está ainda muito aquém do que é necessário para alcançar a Fome Zero. E os mais recentes números sobre a situação da fome no mundo refletem bem esta dura realidade: em 2020, 155 milhões de pessoas estavam em situação de grave insegurança alimentar – um aumento de quase 20 milhões em relação ao ano anterior – e cerca de 30 milhões estavam à beira da morte por fome, o que significa que não sabiam de onde vinha a sua próxima refeição.
Em termos gerais, desde 2012, a fome aumentou em 10 países que apresentavam níveis moderados, graves ou alarmantes de fome, em alguns casos refletindo uma estagnação do progresso e noutros o agravamento de uma situação já complicada. Numa nota mais positiva, o relatório também destaca as melhorias significativas na luta contra a fome registadas em 14 países, num período entre 2012 e 2021.
Trabalho das ONG é peça central no combate à fome
Embora os números da fome no mundo não sejam animadores, o relatório faz questão de ressalvar os esforços de governos, organismos internacionais e ONG para os tentar contrariar. As intervenções, mesmo as de menor escala, que têm sido realizadas por organizações humanitárias e de desenvolvimento, como a Ajuda em Ação, responsável pela organização e distribuição deste relatório em Portugal e que há 40 anos que luta contra a fome nos territórios onde está inserida, têm sido cruciais para dar resposta a estes desafios e apoiar milhões de pessoas em todo o mundo.
Durante o último ano, a ONG Ajuda em Ação levou a cabo uma resposta alimentar de emergência em Portugal, Espanha e vários países da América Latina, como México, Colômbia, Peru ou Guatemala. Com a COVID-19 a pôr em causa a segurança alimentar de milhões de pessoas nestas regiões do globo, foi necessário apoiar estas comunidades mais vulneráveis com kits e cartões de apoio alimentar que garantiram a alimentação diária de 123 famílias inteiras, entre as quais 249 crianças, que devido aos diferentes confinamentos impostos se viram impedidas de sair para ir trabalhar e obter o seu sustento.
Também em Moçambique, a ONG pôs em marcha uma resposta de ajuda humanitária para apoiar os milhares de deslocados que fogem dos conflitos armados em Cabo Delgado, garantindo-lhes abrigo e todas as condições necessárias à sua sobrevivência e impedindo que caiam numa situação grave de insegurança alimentar. É de referir que, já antes do conflito em Cabo Delgado, a Ajuda em Ação estava presente neste país com projetos que visam a capacitação para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, outro dos fenómenos com mais impacto neste agravamento da fome no mundo.