Há um retrocesso na luta contra a fome, alerta Índice Global da Fome 2021

O mundo como um todo - e 47 países em particular - não conseguirá atingir um baixo nível de fome até 2030.

  • 19:24 | Sexta-feira, 15 de Outubro de 2021
  • Ler em 4 minutos

Relatório revela que o mundo não está no bom caminho para alcançar a Fome Zero até 2030 devido aos conflitos violentos, às alterações climáticas e à COVID-19

O Índice Global da Fome 2021 alerta para retrocessos na luta contra a fome, com cerca de 50 países a não conseguirem atingir a Fome Zero até 2030. Segundo o relatório divulgado hoje pela ONG Ajuda em Ação, a situação da segurança alimentar no mundo tornou-se em 2020 e 2021 ainda mais grave devido ao “cocktail tóxico da crise climática, da pandemia COVID-19 e de conflitos violentos cada vez mais graves e prolongados”.

Conflitos, alterações climáticas e COVID-19 ameaçam objetivo das Nações Unidas da Fome Zero


A mensagem da mais recente edição do Índice Global da Fome (IGF 2021), organizada e traduzida para português pela ONG Ajuda em Ação, membro da Alliance2015, é clara: o mundo como um todo – e 47 países em particular – não conseguirá atingir um baixo nível de fome até 2030. O progresso em direção à meta das Nações Unidas da Fome Zero até 2030, já de si demasiado lento, começa agora a mostrar sinais de estagnação ou mesmo de retrocesso, pondo em causa a segurança alimentar e o desenvolvimento económico e social de milhões de pessoas em todo o mundo.

O cocktail tóxico das “alterações climáticas, da COVID-19 e dos conflitos está a fazer-nos regressar a um mundo que pensávamos ter deixado para trás. A pobreza extrema aumentou pela primeira vez em 20 anos e a fome, algo que pensávamos que tínhamos relegado para a história, está de volta”, alertam Mathias Mogge, Secretário-Geral da Welthungerhilfe, e Dominic MacSorley, Diretor Executivo da Concern Worldwide, duas das entidades responsáveis pela execução do relatório e que pertencem também à rede Alliance2015, uma plataforma europeia de ONG.

Aliás, os conflitos violentos são considerados um dos principais indutores da fome, uma vez que afetam quase todos os aspetos de um sistema alimentar, desde a produção, colheita, processamento e transporte até ao fornecimento, financiamento, comercialização e consumo de fatores de produção. Dos 10 países cuja pontuação de IGF 2021 reflete níveis alarmantes ou extremamente alarmantes de fome, o conflito é um dos principais motores em 8. E a verdade é que o número de conflitos ativos continua a aumentar, pelo que se teme que a situação da fome se agrave ainda mais.

Também a COVID-19 e as alterações climáticas têm contribuído fortemente para a deterioração da segurança alimentar no mundo. Por um lado, as consequências das alterações climáticas estão a tornar-se cada vez mais graves e dispendiosas, com os países a não disporem das ferramentas necessárias para mitigar os seus efeitos. Por outro, a pandemia trouxe também novos desafios a uma situação já de si muito frágil, dando origem a uma das maiores e mais graves crises económicas que aumentou consideravelmente o número de pessoas que vive numa situação de insegurança alimentar um pouco por todo o mundo.

 

30 milhões de pessoas no mundo não sabem de onde vem a sua próxima refeição

A fome no mundo tem vindo a decrescer ao longo das últimas duas décadas, mas desde 2012 este progresso tornou-se mais lento e a prevalência global de subnutrição – um dos quatro indicadores utilizados para calcular a pontuação do IGF – também voltou a aumentar. Na edição deste ano, o IGF posiciona um país, a Somália, num nível de fome extremamente alarmante, cinco países em níveis alarmantes – República Centro-Africana, Chade, República Democrática do Congo, Madagáscar e Iémen – e outros quatro classificados provisoriamente como tendo uma situação alarmante – Burundi, Comores, Sudão do Sul e Síria. A fome foi ainda identificada como grave em 31 países e é provisoriamente classificada como grave em mais 6 países.

Apesar dos esforços que têm sido feitos, o mundo está ainda muito aquém do que é necessário para alcançar a Fome Zero. E os mais recentes números sobre a situação da fome no mundo refletem bem esta dura realidade: em 2020, 155 milhões de pessoas estavam em situação de grave insegurança alimentar – um aumento de quase 20 milhões em relação ao ano anterior – e cerca de 30 milhões estavam à beira da morte por fome, o que significa que não sabiam de onde vinha a sua próxima refeição.

Em termos gerais, desde 2012, a fome aumentou em 10 países que apresentavam níveis moderados, graves ou alarmantes de fome, em alguns casos refletindo uma estagnação do progresso e noutros o agravamento de uma situação já complicada. Numa nota mais positiva, o relatório também destaca as melhorias significativas na luta contra a fome registadas em 14 países, num período entre 2012 e 2021.

 

Trabalho das ONG é peça central no combate à fome

Embora os números da fome no mundo não sejam animadores, o relatório faz questão de ressalvar os esforços de governos, organismos internacionais e ONG para os tentar contrariar. As intervenções, mesmo as de menor escala, que têm sido realizadas por organizações humanitárias e de desenvolvimento, como a Ajuda em Ação, responsável pela organização e distribuição deste relatório em Portugal e que há 40 anos que luta contra a fome nos territórios onde está inserida, têm sido cruciais para dar resposta a estes desafios e apoiar milhões de pessoas em todo o mundo.

Durante o último ano, a ONG Ajuda em Ação levou a cabo uma resposta alimentar de emergência em Portugal, Espanha e vários países da América Latina, como México, Colômbia, Peru ou Guatemala. Com a COVID-19 a pôr em causa a segurança alimentar de milhões de pessoas nestas regiões do globo, foi necessário apoiar estas comunidades mais vulneráveis com kits e cartões de apoio alimentar que garantiram a alimentação diária de 123 famílias inteiras, entre as quais 249 crianças, que devido aos diferentes confinamentos impostos se viram impedidas de sair para ir trabalhar e obter o seu sustento.

Também em Moçambique, a ONG pôs em marcha uma resposta de ajuda humanitária para apoiar os milhares de deslocados que fogem dos conflitos armados em Cabo Delgado, garantindo-lhes abrigo e todas as condições necessárias à sua sobrevivência e impedindo que caiam numa situação grave de insegurança alimentar. É de referir que, já antes do conflito em Cabo Delgado, a Ajuda em Ação estava presente neste país com projetos que visam a capacitação para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, outro dos fenómenos com mais impacto neste agravamento da fome no mundo.

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Última Hora