No tempo de Salazar, velho avaro e manhoso, mas avisado político, correu em Portugal um dito que foi entendido como um slogan protetor e promotor do consumo de vinho português. Dizia ele: “Beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses“.
Nessa altura eu não era ainda um dos benfeitores da economia nacional e, os meus consumos alcoólicos limitavam-se a uma gemada feita pela minha avó, com gemas de ovos, vinho tinto e açúcar, com pedaços de pão migado naquela pasta avermelhada: chamavam-lhe “sopas de cavalo cansado”. Confesso que, apesar de na altura, e devido à tenra idade, não contar para o círculo dos amantes de sumo de Baco, ficaram-me na memória uns paladares tão agradáveis, que poucos anos depois, juntei-me à caravana. Em boa hora o fiz: passei a ter mais amigos e conhecidos, a andar quase sempre bem-disposto, a dormir melhor e em qualquer lado, a ter que aturar, cada vez menos, os betinhos e as meninas sérias, a suportar o frio e a acalmar as quenturas do verão, e, os meus amigos, começaram a ter alguns locais certos para me encontrarem: aí a partir das 5 da tarde, lá ia pousando de escritório em escritório, que é como quem diz, de tasca em tasca.
Do vinhito à cerveja, foi um passo. Agradável por sinal: bebia-se mais por menos dinheiro! Deixei, pois, de ser um ferrenho adepto de tal slogan e distribuía o consumo pelos dois líquidos. De manhã, apenas umas tacitas de branco (assim tipo, funcionário das Finanças); à tarde, até às 5, só cerveja; depois disso, ia juntando um e outro, entremeado com um bagaço (a melhor descoberta entre as bebidas alcoólicas); à noite, apenas bebidas doces: ginja e jeropiga. Na verdade, nunca fui muito de bebidas estrangeiras, salvo a caipirinha, que é brasileira.
E assim cresci e me fiz homem na companhia de uma irmandade de consumidores apaixonados.
Depois, com esta coisa da democracia, vieram os entendidos: o vinho faz mal, a cerveja faz mal e faz barriga, o bagaço queima-nos por dentro, blablá, blablá!
O problema é que, com estas discussões todas, alguns dos meus companheiros de longos anos, começaram a ter problemas lá em casa. Os filhos, instruídos por umas professorecas da treta, vinham da escola com ideias novas sobre o que se devia e o que não se devia beber. E atreviam-se, a mesa -local sagrado de um bom copo de vinho- a criticar os velhotes -”cotas” chamam-lhe eles- por rezarem a baco, que é como quem diz, beberem uns bons copos de néctar vermelho.
A merda desta conversa começou a incomodar-me e farto de queixinhas amaricadas, resolvi fazer uma análise justa ao consumo das bebidas alcoólicas, tendo como base, a minha experiência de longa data. Assim, recolhi nos jornais alguma informação, e, não deixei de fora uma conversa com alguns companheiros selecionados pelo agradável contacto diário à frente do balcão. Cada um foi dizendo de sua justiça, sendo certo e unânime que, nesta coisa de pôr defeitos no vinho, tudo era uma injustiça!
Então fui passando para o papel as perguntas que queria ver respondidas. Depois, procurei encontrar as respostas adequadas, verdadeiras e justas, sem me deixar influenciar por comentários de médicos, beatas e afins. Nestas coisas, todo o cuidado é pouco, por isso, para não ser acusado de machista, consultei a minha amiga Vilastina, tão entendida ou mais do que eu nesta matéria de copos.
As conclusões a que cheguei, não sendo brilhantes, também não são de deitar fora. Se têm algum valor científico, não sei. Mas sei que foram aprovadas por unanimidade tertúlia na cave do TassBem.
Ora, dizem que beber vinho faz mal à saúde. Perfeita mentira! Faz, se a pessoa for atropelada por um pipo. Além disso, casos de enfarte do miocárdio em idosos devem ser associados a propagandas sempre feita com modelos boazudas.
Também dizem os entendidos de meia tijela que o vinho é a mais pesada das drogas. Pode ser: uma garrafa de vinho pesa quase 1 quilograma. Se levar com ela nos cornos, ai é pesada, é!
E que o vinho causa dependência psicológica. É uma rematada mentira! Pelo que li, 89,7% dos psicólogos e psicanalistas entrevistados preferem uísque.
Para causar pânico entre as mulheres, afirmam que o vinho faz mal à gravidez. Outro erro! O Viegas, que é polícia da Brigada de Trânsito da GNR, confidenciou-me que, nas operações stop, a polícia nunca faz o teste do balão às grávidas. E se elas tiverem que fazer o teste de andar em linha recta, sempre perdem o equilíbrio devido ao peso da barriga.
É como aquela de dizer que o vinho diminui os reflexos dos motoristas. Outra barbaridade! O Viegas também me disse que foi feita uma experiência com mais de 500 motoristas: foi dada uma garrafa de vinho a cada um, e, em seguida, foram colocados um por um diante do espelho. Em nenhum dos casos, os reflexos foram alterados.
Dizem que o vinho envelhece! Pois envelhece, e muito rapidamente! A bebida envelhece muito rápido. Para se ter uma ideia, se você deixar uma garrafa aberta, ela perderá o seu sabor em aproximadamente quinze minutos.
E aquela patacoada de que o vinho prejudica o rendimento escolar! Não, pelo contrário. Se assim fosse, não vendiam vinho nas cantinas e bares das universidades.
Alguns atrasados mentais dizem que o consumo do vinho pelos mais velhos influencia a juventude. Que estúpidos! A miudagem só bebe shots, uma espécie de veneno, feito com bebidas estrangeiras.
E que engorda! O vinho engorda? Uma pôrra é que engorda! O vinho não engorda! Quem engorda são as pessoas!
E também não causa diminuição da memória! …Que eu me lembre!
E, mais a mais, esses inteligentes, que não bebem vinho, não sabem o favor que me fazem! Quanto menos beberem mais fica! E, um dia, se vierem a juntar-se a mim, em frente do balcão do Menicha, ainda ouvirei a desculpa mais cretina do mundo:
O vinho é exactamente como a sardinha assada: se antes fazia mal, agora é aconselhável comê-la!