A violência doméstica é epidemia e pandemia, é um mal espalhado por todo o globo e bem presente, embora por vezes pouco visível, no nosso país. O que é mais grave é que não há esperança de vacina que vença tal mal.
Para ter esperança que a violência doméstica seja vencida, é preciso coragem e resiliência, é preciso denunciar e tornar visível, para na esfera legal e na esfera social se construir uma cura estrutural.
Portugal é um país habituado aos bons valores conservadores e arreigado a uma ideia patriarcal de família tradicional, que não explica tudo, mas gera, incontestavelmente, solo fértil para a violência doméstica em relação aos membros fragilizados por estes laços familiares vinculados por uma tradição machista.
Se na grande maioria dos casos conhecidos as vítimas são mulheres e os agressores homens com relações de proximidade destas, maridos, namorados, ex-companheiros, por exemplo, há vítimas que consequentemente também o são, mas de forma ainda mais invisível pois nem a Lei é clara e taxativa, como deveria ser, na defesa do seu estatuto.
Falo das crianças inseridas em contextos de violência doméstica, cuja versão dúbia da atual Lei é insuficiente para as proteger, não reconhecendo o impacto inegável que viver nestes contextos de agressividade, que assistir a episódios violentos, mesmo que não diretamente dirigidos a elas, tem no seu desenvolvimento, tanto a nível físico como psíquico.
Foi esta semana entregue na Assembleia da República uma petição que propõe a inclusão no estatuto de vítima das crianças inseridas em contexto de violência doméstica. A petição, cujo objetivo inicial era recolher 4 mil assinaturas, mas acabou de ultrapassar as 44 mil, quer que o parlamento volte a discutir a matéria, concedendo a estas crianças o estatuto legal que já é o seu estatuto real.
O Bloco de Esquerda já apresentou em dezembro de 2019 um projeto de lei que procurava atribuir às crianças de famílias com casos de violência doméstica o estatuto de vítima, foi chumbado. Em maio, em pleno rescaldo do Estado de Emergência e com a preocupação acrescida pelo malpropício confinamento no que à violência doméstica diz respeito, a matéria voltou ao Parlamento, estando a revisão do regime jurídico de prevenção da violência doméstica a ser trabalhada na especialidade.
Conseguir este reconhecimento não teria o efeito “salvador do mundo”, quase miraculoso e quase panaceia, que se espera de uma vacina para outras pandemias, mas seria um passo na direção certa e faria toda a diferença na vida de muitas crianças do nosso país.