Vergonha e culpa

Saber que a vítima mais nova tinha 2 anos, repugna. Saber que a maioria dos abusadores são padres, provoca repulsa. Saber que muitos abusos foram perpetrados em locais sagrados, enoja. Saber que muitas violências sexuais tocaram crianças e jovens institucionalizados, a quem a vida marcou e não sorriu, causa rejeição. Saber que cerca de uma centena de padres, supostamente violadores, continua na sua missão apostólica, inquieta.

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  • 9:50 | Terça-feira, 21 de Fevereiro de 2023
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As conclusões do relatório da Comissão Independente são absolutamente devastadoras para a Igreja Católica em Portugal. Tem o efeito de um sismo que arrasa os seus fundamentos mais sólidos, as suas vigas, os seus pilares, as suas torças. Nem o facto de sabermos que a maioria dos sacerdotes são de uma lisura e inteireza exemplares apaga os crimes hediondos praticados e suaviza os horrores que as vítimas sofreram.

Saber que a vítima mais nova tinha 2 anos, repugna. Saber que a maioria dos abusadores são padres, provoca repulsa. Saber que muitos abusos foram perpetrados em locais sagrados, enoja. Saber que muitas violências sexuais tocaram crianças e jovens institucionalizados, a quem a vida marcou e não sorriu, causa rejeição. Saber que cerca de uma centena de padres, supostamente violadores, continua na sua missão apostólica, inquieta. Saber que houve encobridores de tantas perfídias, indigna. Saber que tantos passaram pelo crivo da prescrição, safando-se das penas da justiça da República, incomoda. Saber que as 512 denúncias validadas são a ponte do icebergue de uma realidade dura, choca.


 

Tudo isto, e o mais que o receio da exposição encobre, dizem que tem de haver vergonha e não pode haver desculpa. Tudo isto, e o mais que os pesadelos não deixam verbalizar, dizem que não pode haver contemplação ou perdão. Tudo isto, e o mais que o trauma faz calar, arrasta lama e encharca consciências. Tudo isto sangra! E nunca cicatriza! É uma mancha que fica, uma nódoa que destoa!

Não é tempo de indemnizações, nem é altura de pias intenções. É hora de agir, de cortar a direito, de esquecer corporativismos, de sacudir amizades, de afastar solidariedades doentes.

Oxalá que a Igreja, com milénios de história de bem-fazer, saiba recomeçar do zero, mesmo que a severidade dos castigos seja o caminho para os delinquentes. Só assim a Igreja fará o que tem de fazer: expurgar o pus que a imensa ferida deixa, e mudar de vida! De vez.

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião