Estamos, como se lembram, no que à história do ciclismo diz respeito, em 1944. Eu, tomando amplas liberdades, aproveito para falar de outras coisas. Em 4 de Junho, Belisário Pimenta anotou, com tristeza, a morte, na véspera, do historiador de arte Vergílio Correia, vítima de uma «congestão fulminante». Lembrava-se de o ter conhecido, em 1911, num comício para as eleições constituintes, quando lhe chamavam o Vergílio dos cacos, numa alusão à sua paixão pela etnografia e pela arqueologia. Nesse tempo, Vergílio Correia, só ou acompanhado por amigos, calcorreava os arredores de Coimbra em busca de elementos de estudo. Há vinte e oito anos, na leitura integral da sua obra, encontrei esses passeios repercutidos em artigos sobre pesos de tear, louça pintada, mobiliário, etc.
Como estudioso, Vergílio Correia era metódico, sério, compenetrado, alheio às fosforescências do humor e da subjectividade. Parece ausente do que escreve. Belisário Pimenta não podia saber, portanto, que, abaixo do cérebro que resolvia os problemas de Grão Vasco e da pintura mural do século XVI, batia um coração de desportista, amante do futebol e do Benfica. Paula Figueira Santos deu-me a ler a Vida Mundial Ilustrada, de 21 de Dezembro, onde o jornalista Carminé Nobre evoca o entusiasmo desportivo do circunspecto erudito:
«O malogrado Professor Doutor Vergílio Correia era um apaixonado adepto do Sport Lisboa e Benfica. Porém, como mestre da Faculdade de Letras de Coimbra, tinha também simpatias pelo grupo da Associação Académica, e o contrário ficava-lhe mal, como muitas vezes nos afirmou.
«O ano passado, encontrámos o professor Vergílio Correia depois dum desafio entre a Académica e o Benfica no campo de Santa Cruz, e com certa curiosidade perguntámos-lhe:
«– Então, senhor doutor, a sua posição hoje no campo era difícil!
«Resposta pronta do ilustre mestre:
«– Delicada, delicada… mas lá me conservei em neutralidade vigilante…»