Uma maioria absoluta condicionada

Vamos para eleições e o país ainda está incrédulo. Mas nesta incredulidade vai confirmando que a crise só existe por que uma parte da esquerda falhou perante os desafios que se nos colocam.

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  • 21:49 | Quinta-feira, 11 de Novembro de 2021
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Os portugueses não mereciam o que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista lhes fizeram. Depois de uma experiência governativa de seis anos e seis orçamentos aprovados, vencida que foi a política austeritária que o governo do PSD/CDS havia consagrado na primeira metade da década passada, importava continuar uma verdadeira política patriótica e de esquerda, impunha-se a defesa do interesse nacional, o aprofundamento dos laços e a reinvenção da plataforma tripartida em que vivíamos. Mas não, os partidos à esquerda do PS decidiram matar esta caminhada de sucesso reconhecida internacionalmente, promover eleições antecipadas e parar o país por largos meses.

O Partido Socialista governou desde 2016 com base num triângulo virtuoso: a) valorização dos salários, recuperação das pensões e redução progressiva dos impostos; b) valorização do investimento privado, progressivo investimento público, redução dos custos de contexto; c) contas públicas saudáveis e credibilidade externa.

No primeiro lado do triângulo não haverá oposição de quem quer que seja, o difícil era consagrar um caminho; no segundo, apesar da desconfiança quanto ao investimento privado que a esquerda da esquerda sempre identifica como opressor, também não foi por aqui que a coisa correu mal. O problema esteve no insustentável propósito de, de um ano para o outro, pressionar o Orçamento de forma a fazer borregar tudo o que se conseguiu. Mais despesa estrutural não era, não é possível.

O PS fez tudo, indo para lá dos limites que analistas e políticos prudentes recomendavam, para viabilizar o OE, mas a decisão estava tomada, nada tinha de orçamental – o BE e o PCP marcaram-se um ao outro e recuaram para o estatuto de partidos de protesto deixando o seu eleitorado desprotegido.


Vamos para eleições e o país ainda está incrédulo. Mas nesta incredulidade vai confirmando que a crise só existe por que uma parte da esquerda falhou perante os desafios que se nos colocam.

Em eleições as escolhas devem ser claras. Sabemos o que nos propõem BE e PCP, por agora – mais instabilidade e uma aliança tática com neoliberais e conservadores.

Poderia vir do PSD uma alternativa, mas não vem. Em primeiro lugar porque este partido é hoje o mais à direita de sempre, porque se ficou na troika, continua a pensar como pensava e impunha a troika. Não é só um partido profundamente dividido, é uma estrutura incapaz, como durante quarenta anos aconteceu, de liderar o centro-direita que agora se pulverizou. Atávico com Rui Rio, folclórico e irrefletido com Paulo Rangel.

O ficar na troika do PSD faz com que o PS seja o grande partido do centro. Do centro porque responde às forças mais dinâmicas da sociedade, porque se identifica com o Homem português que quer crescer, fazer, subir. Mas é também o que sempre foi, a esquerda democrática e moderna, socialmente preocupada, radicalmente democrática, visceralmente portadora de um venturoso equilíbrio entre liberdade e igualdade.

Os portugueses tiveram várias experiências em que os governos recebiam o apoio parlamentar maioritário. As duas maiorias absolutas de Cavaco Silva e José Sócrates, por razões diferentes, deixaram preocupação. Mas as maiorias absolutas da soma PSD/CDS foram sempre instáveis, mais instáveis e mais curtas do que a solução da geringonça.
Neste cenário deve o PS transformar o pedido de uma solução estável e duradoura numa clara maioria absoluta? A nossa resposta é positiva!

O eleitorado espera porém que o PS a justifique. Em primeiro lugar na identificação dos contrapesos que essa maioria terá se for concedida. Há três universos em que se verifica hoje uma realidade substancialmente diferente. Em primeiro lugar a existência de um Presidente da República com uma visão extensiva dos poderes constitucionais; em segundo lugar, a total independência do poder judicial que tem sido implacável; em terceiro lugar, a nossa realidade em que a comunicação social é tudo menos dependente e reverente ao governo do PS e ao atual primeiro-ministro. Entendemos porém que não chega. O programa do PS deve identificar as regras em que deve assentar uma maioria absoluta condicionada. Há duas regras que devem estar presentes: primeira, as reformas laborais e a defesa do Estado Social devem merecer obrigatoriamente, e para além da concertação social, acordos parlamentares entre o PS e os partidos à esquerda; segunda, a criação de uma lei de meios para a justiça, a reforma do Estado e das leis eleitorais devem ser, obrigatoriamente, observadas em acordos escritos com o PSD.

Mas deve o PS ir mais longe. Desde logo na identificação das práticas governativas e administrativas que ainda se submetem ao secretismo, a valorização de agências independentes, o aprofundamento do accountability acompanhado por instituições internacionais.

Um dos problemas que o PS vai sentir é a mudança de chip. A geringonça não foi só uma experiência, assumiu-se, em centenas de milhar de socialistas, como que um acerto com a História, um regresso aos fundamentos que fizeram nascer os movimentos operários. Estes socialistas não devem estar arrependidos, antes pelo contrário – devem estar orgulhosos do que foi feito. Os nossos companheiros de viagem quiseram divergir e estão no seu direito. Nada está perdido, até porque são os eleitores quem diz como seguir. E os eleitores da esquerda portuguesa sabem que, para se continuar a progredir, não encontram outra opção que não seja concentrar os votos em António Costa e no seu projeto. Peça-se a maioria absoluta condicionada e os portugueses responderão positivamente.

Ascenso Simões
Membro da Comissão Política do PS

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião