Uma lei de meios para a Comunicação Social

O que se passa então em Portugal para que seja um país onde a liberdade de imprensa nos orgulha, mas que em poucos anos pode nem sequer ter comunicação social?

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  • 13:17 | Terça-feira, 02 de Janeiro de 2024
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Ouvi a Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social afirmar, na Comissão de Cultura da Assembleia da República, que a situação da imprensa, da rádio e da televisão, em Portugal, é muito preocupante.

Não me surpreendeu tal afirmação, a situação é há muito conhecida e ninguém fez nada, até hoje, para a alterar.

Não sei avaliar o processo de reorganização do grupo que detém o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a TSF. Desconheço a situação económica e financeira, não consigo estimar os mercados em que trabalham e nem sequer adivinho quais são os grandes objetivos que os novos acionistas se propõem alcançar.


Sei, no entanto, que esse grupo passa por crises sucessivas há muito tempo. Crises decorrentes de apostas erradas, crises resultantes da instabilidade acionista, crises que se conhecem pela pouca visão do que é, nos tempos de hoje, o negócio da comunicação social.

O que temos em Portugal no universo que estamos a analisar? Para além de três jornais em papel, com derivações digitais, no universo desportivo, e dos económicos em papel e também no digital, a imprensa escrita consagra uma marca que se mantém sempre na linha do não prejuízo – o Público. Temos ainda o Correio da Manhã, associado ao seu canal de televisão por cabo, que tem virtualidades e ocupa um espaço cada vez mais interessante, e temos, ainda, o DN e o JN em processo de desaparição, sendo que este último é relevante para toda a região Norte do país.

No papel temos ainda o “diário da república” das sextas-feiras, o Expresso, este garantindo público e publicidade e outros dois semanários que ninguém sabe muito bem como conseguem sair para as bancas. Há, também, o universo da Trust in News, de onde sobressai a Visão, e que, a cada mês, nos dá notícias sobre possíveis dívidas ao fisco e, ainda, o universo Expressão Livre que detém, de entre outros títulos e para além do Correio da Manhã que já referimos, a Sábado.

Nas rádios, para além do Grupo Renascença que mantém equilíbrios financeiros e auditório, da Bauer que sucedeu à Media Capital Rádios que faz algum dinheiro com públicos segmentados e com pouca folha de salários, há ainda a TSF que está na situação conhecida.

Nas televisões, a SIC é líder, mas está sempre a braços com a pesada carga tributária existente em Portugal, e a TVI apresenta-se sempre uma interrogação quanto ao dia seguinte.

Há, ainda, as “coisas públicas”, RTP e RDP, que se mantêm sem grande exigência na programação e nos orçamentos, voltando a ter prejuízos, mas isso é pouco relevante para os decisores públicos.

 

 

Para terminar, a comunicação social regional e local em regressão e completamente descapitalizada. Neste universo, durante décadas criador de profissionais e promotor das vidas locais, o total desamparo do poder central levou a que os jornais só consigam sair por mera carolice e as rádios só resistam à base de uma dependência totalitária dos municípios.

O cenário é o oposto ao que se vive em qualquer região espanhola. Se compararmos o Norte de Portugal com a Galiza, é bom de ver que o JN compara com três diários de larga saída e a Porto Canal nem sequer compara com a TV Galiza.

O que se passa então em Portugal para que seja um país onde a liberdade de imprensa nos orgulha, mas que em poucos anos pode nem sequer ter comunicação social?

Há várias razões para que estejamos assim. A primeira é a total ausência de uma política para a Comunicação Social. Desde Arons de Carvalho, já lá vão décadas, que a governação se limitou a disfarçar. Basta o contrato de gestão da RTP/RDP e o resto a ERC que trate. A segunda é a ausência de empresas fortes que saibam da poda. Vai havendo umas ameaças, mas, no global, não há gestores que saibam do que tratam. Nesta matéria teríamos que fazer um workshop com gente da Observador On Time e da Impresa SA para alargar o conhecimento.

Perante tudo isto, Portugal vê-se na obrigação maior de, através da comunicação social, ajudar a garantir a democracia.

O que quero eu dizer com – garantir a democracia? Tão só a necessidade de olharmos a CS como um dos pilares do nosso regime, tão relevante como os órgãos de soberania que a Constituição da República indica.

Ora, se ao Estado cumpre definir políticas, acima já o referimos, também cabe encontrar meios para apoiar a comunicação social nacional, regional e local.

Quando regressei ao Parlamento em 2015, reivindiquei dos ministros da Cultura, na discussão de todos os Orçamentos, a criação de uma Lei de Meios para a Comunicação Social. Fui sempre vencido pela surdez.

Essa lei de meios, a elaborar por peritos nacionais e estrangeiros, deveria contemplar os universos dos apoios públicos, diretos e indiretos, as isenções tributárias, as regras de direitos de propriedade intelectual. Deveria autorizar um regime de mecenato próprio, deveria olhar para a renovação da tecnologia, deveria ponderar a publicidade do Estado. E, ainda e mais importante, deveria eliminar a desconfiança, alojada na cabeça de muita gente, que ligue os apoios públicos a um qualquer apoio ao poder do momento.

Essa minha proposta reincidente foi sempre combatida e teve mesmo investidas pouco urbanas nessa rede de intelectuais que era o Twitter. Do Observador também vieram alguns ataques, mesmo que mais disfarçados. Afinal eu era um perigoso Goebbels que queria amarrar a liberdade dos jornalistas ao poder da Geringonça.

Passaram três legislaturas e o problema agravou-se. Hoje é dramático!

Só espero que o próximo Governo consiga entender que urge salvar a comunicação social como forma de robustecermos a democracia liberal em que a esmagadora maioria dos portuguesas acredita.

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Publicado em Opinião