Uma história de amor
Chamava-se Laura – a Cigarreira, na boca do povo. Casou com as ilusões de um português á procura da árvore das patacas no Brasil, juntando, assim, dois destinos na busca de uma felicidade que não fosse madrasta. Para ele, estando lá, o Brasil foi ficando cada vez mais longe e o amor cada vez mais […]
Chamava-se Laura – a Cigarreira, na boca do povo. Casou com as ilusões de um português á procura da árvore das patacas no Brasil, juntando, assim, dois destinos na busca de uma felicidade que não fosse madrasta. Para ele, estando lá, o Brasil foi ficando cada vez mais longe e o amor cada vez mais forte. Para ela, Portugal, tornou-se uma saudade na boca do seu amado. Assim, transferiram os sonhos e o futuro que nunca teriam, e, ela, acompanhou-o com a promessa de amor eterno e na esperança de um riso de filhos e uma casa farta. Ele regressou, trazendo como única riqueza aquele amor transbordante que guardaria até ao fim. Quarenta anos depois ainda eram felizes no amor que sempre lhes matou as dificuldades da vida. Mirraram e estiolaram á espera de melhores dias, que nunca vieram. Filhos, nunca tiveram e a casa era um tugúrio malcheiroso e insalubre no meio da vila. A cabra da vida viu-os passar e nunca buliu na sua porta.
A pele de mulata disfarçava a sujidade, e, o cheiro nauseabundo que exalava, era apenas atenuado pelo odor do álcool que lhe diluía a saudade e dos cigarros que lhe enganavam a fome. Nunca a terra tinha visto uma mulher a fumar. Com admiração e espanto, os novos conterrâneos, foram generosos e ofereceram-lhe a alcunha que a acompanhou toda a vida: Cigarreira. Os olhos grandes, castanhos e generosos no brilho, espelharam sempre uma alma livre e compreensiva com as amarguezas diárias.
Viviam com dezenas de gatos, porventura a única ternura e amizade honesta e leal que encontraram até ao fim da vida. A todos, ela, pôs um nome. Sempre um nome que lhe recordasse o mar que deixara e os deuses pagãos que adorara na meninice. Os nomes eram do seu amado Brasil e recordavam-lhe a felicidade que perseguira mas nunca encontrara.
Primeiro, partiu ele e levou consigo as únicas riquezas que verdadeiramente foram suas: a imagem e o amor da sua mulher – a única que conhecera e a quem pertencera – e o nome, Manuel, Marreco na boca do povo.
Ela, pouco mais durou. Apagou-se, só, no casebre infecto. Serenamente como a chama no coto de uma vela.