Uma grande lata

Um rapaz dos jornais foi encarregado de fazer um relato circunstanciado de uma prova ciclista. Mas o pândego do jornalista tinha nessa manhã um almoço fora de portas e não quis faltar ao repasto. Seguiu à risca o ditado: guarda que fazer e não guardes que comer, porque o trabalho espera e o comer azeda.

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  • 16:36 | Terça-feira, 07 de Setembro de 2021
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No âmbito das notícias precipitadas, nada iguala a que dá a morte de alguém que ainda vive. No entanto, o resumo cuidadoso de um discurso que nunca foi proferido também é extraordinário. Em 1946, estava bem presente no anedotário colectivo a resenha do Diário Popular sobre um discurso do deputado Henrique Galvão que, afinal, ficara por fazer. Para os adeptos de ciclismo, continuava a ser famoso aquilo que Jorge Severo considerou «um facto semelhante sucedido há anos na vida de um jornal desportivo do Porto». Jorge Severo tem um modo bem-disposto de apresentar os assuntos. Concedo-lhe a palavra.

«Um rapaz dos jornais foi encarregado de fazer um relato circunstanciado de uma prova ciclista. Mas o pândego do jornalista tinha nessa manhã um almoço fora de portas e não quis faltar ao repasto. Seguiu à risca o ditado: guarda que fazer e não guardes que comer, porque o trabalho espera e o comer azeda.

Mas o nosso herói, para não cair em falta no jornal, fez a notícia de cor. Escreveu para o periódico: “Às 6 horas da manhã, perante enorme concorrência, foi dado o sinal da partida pelo senhor F., delegado da UVP. À passagem na Praça da Batalha os ciclistas foram muito ovacionados, por enorme multidão. À frente do pelotão, que marchava com grande velocidade, seguiam o Trindade e o Nicolau.” Etc. etc. etc.

Afinal, à tarde, os outros jornais publicavam a seguinte notícia: “A corrida Porto-Lisboa não se realizou.”


Ao ser interpelado pela redação do jornal, o folgazão do repórter respondeu com uma grande lata: – A culpa do fracasso não foi minha. Foi dos organizadores da prova. Se ela se não efectuou, devia efectuar-se, visto que estava anunciada e não é justo levar ninguém ao engano…”»

 

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Publicado em Opinião