O jornal Público (10 de setembro de 2018) dá nota de um exemplo paradigmático do que está a ocorrer em Portugal, quando o assunto é a habitação:
“Juan Batista tem 20 anos e média de 18,94 valores. Desistiu de Engenharia Civil no Instituto Técnico de Lisboa, liderado por Arlindo Oliveira, e rumou à Madeira porque não conseguia pagar os custos da habitação na capital. Tornou-se o rosto das novas dificuldades no acesso ao ensino superior. Alguma coisa parece estar seriamente errada para o que o sistema público de ensino se dê ao luxo de perder alunos brilhantes. Está na altura de fazer algumas coisas ou não?”
Se o mercado de arrendamento está a tornar-se proibitivo, não apenas para os estudantes, também é cada vez mais difícil comprar casa em Portugal, especialmente nos grandes centros urbanos, Lisboa e Porto. A pressão dos preços das casas passa também para a periferia como noticia o semanário Sol (08 de setembro de 2018) que faz referência à preocupação da Comissão Europeia “com os preços especulativos do mercado imobiliário português e com a crescente dificuldade das famílias no acesso à compra de imóvel.”.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a avaliação bancária das casas atingiu em Julho 1187 euros por metro quadrado, mais sete euros do que em Junho de 2017. A agência financeira Standard & Poor’s divulgou um relatório em que estima que os preços das casas vão subir 9.5% este ano.
Não havendo receitas mágicas, nem soluções fáceis, a preocupação da União Europeia deve ser acompanhada por políticas públicas urgentes e exigentes, sob pena de vermos aumentar o número de pessoas que, mesmo trabalhando, são pobres e incapazes de aceder a uma habitação digna, mesmo quando a opção passa por alugar e não por comprar.
Devemos olhar criticamente e refletir sobre o paradoxo dos working homeless de Silicon Valley. Recomendo a leitura da reportagem de Maria João Bourbon, na Revista E do Expresso (25 de agosto de 2018), intitulada Na sombra de Silicon Valley.
Quem são os working homeless? São PESSOAS que dormem nas ruas, parques de estacionamento ou em acampamentos. TRABALHAM e vivem em Silicon Valley, “mas nem assim ganham o suficiente para pagar uma renda ao fim do mês. (…) trabalhadores invisíveis, sem-abrigo envergonhados, que vivem na sombra da inovação tecnológica (…)”
A jornalista relata vários casos reais que nos dão a imagem perfeita dos contrastes e desigualdades “daquela que tem sido apresentada como a meca do crescimento económico, tecnologia e inovação.”
Transcrevo um excerto significativo:
“Até há um mês e meio, Devin Shurte encontrava aí um lugar onde dormir. Pagava o bilhete, sentava-se num dos lugares livres e tentava adormecer. Procurava abstrair-se do barulho, dos cheiros, dos solavancos, do ar pesado… e quando quase duas horas depois chegava ao fim da linha, saía e esperava meia hora ao relento. Só então aparecia novo autocarro, no qual voltava a entrar e a dormir – repetia o processo para a frente e para trás até chegar a hora de ir trabalhar. ‘Era esgotante’, recorda.”
Se o lema de Silicon Valley podia ser “Não é um problema meu”, desejo que o de Portugal seja “Tudo faremos para não ter este problema”.