Tal como o sol, a água quando nasce é para todos! (IX e X)

O contrato exigia ainda que a concessionária (Águas do Planalto) faturasse aos clientes uma sobretaxa, a transferir para a AMRPB, para financiar esses investimentos, como já vimos e que até 2014 rendeu quase 4 milhões de euros. Para quê? Para quem?

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  • 12:58 | Domingo, 30 de Março de 2025
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 CAPÍTULO IX

Mesmo que este esquema de financiamento ruinoso tivesse sido explicado, porque transparente nunca poderia ser, tenho sérias dúvidas se alguém aceitaria pagar o triplo ou o quádruplo do preço da água em relação à média do país, fosse qual fosse a razão. Por isso, o CE da AMRPB encontrou uma solução: ficar em silêncio e, com a proximidade da Páscoa, deixar que o povo sacrificasse um animal, o tal bode expiatório, acusado de comilão, egoísta e ladrão, condenado à morte e servido à mesa da Ressurreição. Ao Bode, o povo batizou de ÁGUAS DO PLANALTO.

– Quem arquitetou estes aumentos? Pergunta o comandante das tropas, desde o quartel-general.


 

– Foi o bode, majestade – responde o povo em uníssono.

– Quem deve ser crucificado?

– Crucificado fica cru, majestade, gostamos do bode assado no forno.

– Tendes a certeza, ó povo do Planalto?

– SIM, SIM, majestade – responde o povo a uma só voz.

– Seja feita a vontade do povo. Sirvam vinho para todos, porque de água estamos nós fartos!

O povo condenou o bode, em silêncio resignado, à espera do sacrifício.

Mais um janeiro, outro aumento. Perguntareis vós:  Mas o povo é burro, ou faz-se?

– O Povo faz-se! É fácil culpar o bode, não dá trabalho e evita sarilhos; entre uma coisa e outra, o povo escolhe o alimento para o seu rebanho, que enche a pança com o pasto que cresce nas margens da barragem do Paul, verdejante com a fartura de água.

Cada janeiro, outro aumento e o povo resignado; os regedores avisam os fregueses das cautelas e ameaçam com a mão pesada- É proibido perguntar; é perigoso questionar!

O povo tosse, mas não ruge, eles não levam o povo a sério. Apenas avisam e voltam a avisar.

Mas porquê o bode?

Simples – o bode não vai a votos, a Águas do Planalto não vai a votos, mas eles vão a votos e querem sempre ganhar.

Lembram-se? Tudo começou em outubro de 1997. Chegados a 2010, com ele o AUMENTO BRUTAL de preços que, mais tarde, Vítor Gaspar, o ministro das finanças de Passos Coelho, viria a plagiar, porque, numa viagem imaginária a um território imaginário de nome Tondela em Movimento, deu um mergulho nas águas profundas da barragem e por pouco não se afogou. O socorro estava lá, mas demorou muito a soletrá-lo – S – o – c – o – r – r – o!

E não é que esta lentidão pegou moda?…

 

CAPÍTULO X

Recordo o concurso da 1996 e constituída a empresa Águas do Planalto que começou a operar em maio de 1997. A concessionária pagaria uma renda anual de 65 mil contos, cerca de 325 mil euros de agora, com atualizações com base na variação dos preços ao consumidor calculados pelo Instituto Nacional de Estatística. Além disso, também poderia haver atualizações extraordinárias da renda, sempre que a concedente (AMRPB) obras de ampliação ou melhoramento no sistema, pelo valor de 3% desse investimento.

O contrato exigia ainda que a concessionária (Águas do Planalto) faturasse aos clientes uma sobretaxa, a transferir para a AMRPB, para financiar esses investimentos, como já vimos e que até 2014 rendeu quase 4 milhões de euros. Para quê? Para quem? Não todo, mas algum, porque quando cai no saco fica todo misturado, não fica algum registo do número nem da série das notas, não se pode garantir que, com as notas da receita A, comprei isto e com as da receita B comprei aquilo, mas apenas que com as receitas A e B comprei isto e aquilo, certo?

O pagamento das tais senhas, que mais tarde irei recordar, eram pagas com dinheiro das receitas, viessem de onde viessem, parar ao cofre da AMRPB ou da sua subsidiária Eco Beirão.  No fundo, bem no fundo, era tudo uma amizade louca, um respeito institucional e, mais do que isso, potencialmente promíscua. Ou efetivamente promíscua! Pelo menos, foi isso que o Ministério Público concluiu.

Tudo sobre rodas, pagamento de senhas em dia, 12 por cada 30 dias, como se o mês tivesse o mesmo número de 5.ªs feiras e há que virar frangos para não parecer mal ou levantar suspeitas. Embora este método viesse a ser alterado, por clarificação legal da ilegalidade. Se todo o processo de financiamento estava concluído e as dor de cabeça para pagar as contas estava resolvido, as festas tinham a garantia financeira assegurada, a água brotava das torneiras, de boa qualidade, note-se, e a Águas do Planalto com o negócio garantido até 2028. Todos poderiam ir gozar a reforma de plena consciência de terem feito uma grande obra e uma excelente negociação, tendo em conta o futuro dos seus filhos, dos seus netos e de todos os vindouros.

Foi a pensar nestes pressupostos que imagino a negociação:

O porta-voz do grupo: – Bem, somos todos amigos, muito amigos, respeitamo-nos uns aos outros e precisamos de dinheiro para gastar, para o ano vamos a votos.

– Muito bem, em que podemos ajudar? – pergunta o representante da AP

– Queremos dinheiro e não podemos recorrer à banca comercial.

– Mas não vendemos dinheiro, vendemos água.

– Isso é importante? Somos todos adultos, queremos todos o melhor para nós, digo, para os nossos concelhos e digam lá o que é preciso para conseguirmos o carcanhol.

– Mas … e…

– Nem mas, nem meio mas…queremos o dinheiro e quem manda sou eu, nós!

– Sim, majestade, e quanto desejam para cobrir?

– O quê? Cobrir?

-Sim, cobrir as vossas necessidades …

– Bem, que tal mil milhões e nós penhoramos o Colar de São Cajó …

– Mas essa novela ainda não foi escrita, e sem ela, o colar não vale nada…

– Mas, lá para 2022 ou 2023, a novela Por do Sol vai ser um êxito na RTP. O colar valerá uma fortuna inimaginável. Se não acreditam, digam vocês até onde podem ir, sem o colar.

– Para cobrir as despesas de investimento, uns 15 milhões, chegam?

– Ponham lá mais 50 % em cima. Antes desta reunião, como somos muito amigos e respeitamo-nos tanto, mas tanto uns aos outros, já chegamos a uma conta certa – 22 milhões e para financiar os caminhos fazendeiros, mais 250 mil euros para despesas gerais. Tudo somado, são 22.250.000 euros e não baixamos mais.

– E como tencionam pagar?

– Não tencionamos pagar!

-Está a brincar connosco?

– Claro que não, preferimos ir brincar nos canais próprios, ir dar uma olhada a Moçambique, ao Brasil, por aí, para aprendermos como se trata o lixo e os esgotos, eles são especialistas.

– Ah, sendo assim, vale a pena o investimento, mas insisto – Quem vai pagar?

– Carago, os mesmos de sempre. Vocês são como o povo, nunca sabem de nada…

– Não, não sei.

– Paga o povo e, em troca, damos-lhe pão e circo. O bilhete para o espetáculo vai anexado à fatura, nem vão dar por ela.

 

– E como vai ser o método de cobrança?

– O vosso, peçam informações ao banco. Façam como se fosse uma P.P.P. (Parceria Público-Privada) …

– Aprenderam com José Sócrates?

– Não, aprendemos com o Cavaco, o pioneiro dessas coisas, com a garantia que nunca se engana.

– E que vão dizer ao Povo?

– Que a culpa é vossa, claro. Não são vocês que vão cobrar?…

 

(CONTINUA)

 

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