O meu nome é interior, estou abandonado e entregue a minha sorte.
Fico num cantinho do mundo onde todos aqueles que aqui nasceram e aqui se criaram não têm emprego nem oportunidade de evoluir, pessoal e profissionalmente. Abandonam-me pelas grandes cidades, mas lá também não é melhor, pois são cidades que se preocupam mais com os turistas de que com os habitantes, com as receitas do que com a qualidade de vida.
Redes de transportes público miseráveis e, não obstante, ainda proíbem o acesso e movimento de transportes rodoviários no centro na cidade. Riam-se. E nos mínimos dos mínimos pagam 1000 euros mensais por um T1 no centro da urbe. Ide, pois, para a periferia cada vez mais distante. Tudo para trabalhar numas grandes empresas. Ou para ter trabalho. O trabalho que eu não tenho para oferecer…
Há uns anos, que estou despovoado, foram encerradas escolas primárias, centros de saúde, balcões de CTT, da Autoridade Tribuária, da Segurança Social… E até chegaram a fechar muitos tribunais, talvez para acumular processos pendentes naqueles que se salvaram do encerramento.
Como se não bastasse, ocorreram cortes nos transportes coletivos, privatizaram a rede nacional ferroviária e procederam ao corte nas ferrovias, que estão debilitadas e ao pré-abandono.
As autoestradas chegaram com atraso e com as portagens mais caras do país, o que levou à deslocação do sector empresarial para outras zonas do território. E quantos anos foram e são precisos a suplicar pelas obras no IP3? Que avançam à velocidade de caracol…
A promoção de criação de emprego tem-se limitada a benefícios fiscais, que se revelam ineficazes e inconsequentes. Uma espécie de Deus-dará, ou areia para os olhos…
As minhas gentes, que se dedicavam ao sector agrícola, estão cada vez mais envelhecidas. Elas e o sector…
Tal deve-se muito às sucessivas políticas de esquecimento e de ataque aos pequenos agricultores e à falta de estratégias, apoiando jovens que queiram construir um projeto de vida com base na agricultura. Por consequência, as minhas terras, outrora leiras férteis, estão ao abandono. O meu rico sector primário… O secundário, da indústria, que podia fixar jovens, é escasso, quase raro. O terciário, com o comércio e os serviços, à míngua de utentes, quase estertora. O quaternário, das atividades intelectuais e artísticas, não sobrevive somente com uma ou outra bem avontadada exposição e os festejos anuais. Pois não?
O poder político e económico procurou explorar os recursos naturais através de investimentos lesivos, olhos postos no lucro fácil, em indústrias extrativas a céu aberto, que me esventram e laceram… barragens para especulação tarifária da eletricidade, energia eólica, sem ter em conta as consequências sociais e ambientais para o território e sei lá eu mais o quê…
Por outro lado, foi iniciado um processo de descentralização de competências para as autarquias e comunidades intermunicipais que, muito embora se diga promover a proximidade das populações à decisão, sem mecanismos de compensação ou legitimação democrática, agrava as desigualdades. Além disso, é um processo que (ainda) peca pela falta de transparência, democraticidade e participação das populações e do poder local. O poder central é avarento no dar…
Enfim, cada vez que me lembro que foi no meu seio que tudo nasceu e me vejo agora constrangido e consternado à solidão, essa solidão que antecede o fim.
Sinto-me uma parte inútil de um todo. Parcela de um corpo amputado. Um deserto. Uma terra fantasma que ninguém quer vivificar, ou, talvez salvar…