Um mês depois de irmos votar a 10 de Março, comemoraremos os 50 anos do 25 de Abril, a revolução que acabou com a mais longa ditadura da Europa (quase meio século), responsável pela fome e miséria que levou mais de dois milhões de portugueses a emigrar.
Em apenas um ano e meio, os portugueses mobilizaram-se para tomarem o seu destino nas mãos, exigiram mudanças estruturais para acabar com o subdesenvolvimento e a exploração de quem trabalha por parte de uma elite industrial e financeira (os “vampiros” cantados por José Afonso: “eles comem tudo e não deixam nada”). Estes parasitas da ditadura, detentores de monopólios e proprietários absentistas de latifúndios, borrados de medo por terem apoiado o fascismo, fugiram do país. Voltaram logo que os políticos do centro, cedendo e aliando-se à direita e à extrema-direita, “normalizaram a democracia”, isto é, acabaram com as veleidades democráticas e revolucionárias de maior igualdade entre os portugueses e de uma justa redistribuição da riqueza criada por quem trabalha, nacionalizando sectores estratégicos da economia. Essas “elites” multimilionárias voltam a dominar a economia, controlam os sectores que têm tido lucros milionários à custa da pobreza de milhões de portugueses, como os bancos e a distribuição (hipermercados), para além da maior parte da comunicação social, e até partidos políticos através das porta-giratórias entre empresas e os governos que se foram alternando ao longo deste meio século, num rotativismo gerador de corrupção (o país europeu com maior corrupção é a Hungria de Órban, o amigo de Ventura). Agora, apostam mais forte nos partidos da extrema-direita e direita radical, financiando o Chega e o IL. O Capitalismo acaba sempre por mostrar a sua natureza mais selvagem.
A direita tem paulatinamente socavado uma das principais conquistas de Abril, o Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito (com uma ajudinha do PS, como lamentou António Arnaut, o “pai do SNS”) . O BE exigiu mais investimento no SNS, e perante a recusa do PS, que nem sequer aplicou o orçamento aprovado à esquerda de resposta à pandemia, deixou de viabilizar o Orçamento de Estado para 2022, tal como o PCP e o PEV, o que não foi compreendido por muitos, mas se vê agora que era justo.
Hoje, 40% do orçamento da Saúde vai para o sector privado, através dos serviços convencionados e externalizados. Mas o Chega e o IL querem ainda mais e só pararão o seu liberalismo retrógrado, que já deu provas em tantos países de só provocar miséria e desigualdades sociais, quando tiverem um SNS apenas com serviços mínimos para pobres e para sectores da classe média incapazes de pagar hospitais e clínicas privadas, como acontece no EUA, o “farol do Liberalismo”.
Temos pela frente o perigo de um retrocesso civilizacional, com uma AD composta por monárquicos reacionários que defendem a agressão a mulheres; um CDS moribundo que quer voltar a proibir as mulheres de decidirem da sua maternidade; e um PSD de Passos Coelho que alinha com o Chega no “papão” da imigração, apesar das polícias desmentirem qualquer relação entre imigração e insegurança, num dos países mais seguros do mundo.
Mas há um outro perigo que passou ao lado dos debates. O risco cada vez mais candente de uma terceira guerra mundial, com a Europa como palco principal. Macron, a braços com manifestações de vários sectores da população francesa descontentes (operários, agricultores e vítimas de racismo e violência policial), admitiu enviar tropas para a Ucrânia. Ficou isolado, mas muitos países da UE e da NATO estão a preparar-se para a guerra, aumentando a produção de armamento e a subida do orçamento para a “Defesa” para os 2% do PIB. Em Portugal, só a CDU e o BE não concordam com esta exigência da NATO (organização criminosa, que apoiou a ditadura em Portugal, liderada por países cúmplices de guerras e genocídios como o que Israel está a fazer em Gaza). Mas há quem, à direita, defenda até o regresso do Serviço Militar Obrigatório. É obsceno que os gastos militares do PIB em 2024 (1,66%) superem a despesa com a Cultura (que nem chega aos 1%). A Cultura é a melhor defesa da identidade do povo português e o meio mais seguro para um relacionamento pacífico com outros povos. A nossa guerra é contra as alterações climáticas!
A presidente da Comissão Europeia (não eleita directamente pelos europeus), desafiou os países a aumentarem a despesa na Defesa e a prepararem-se para a guerra. A mesma Ursula von der Leyen que Josep Borrell, Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Segurança, acusou há poucos dias de ter provocado “um alto custo geopolítico para a Europa”, ao ir a Tel Aviv, sem para tal estar mandatada, manifestar a solidariedade da UE com Israel (um Estado ocupante que coloniza a Palestina há 76 anos, com contínuos massacres de muitos milhares de palestinianos, agora a ser mortos à bomba e à fome). Na verdade, nenhum dos hipócritas responsáveis europeus, do arrependido “jardineiro” Borrell à “Viralatas” aristocrata que grita “às armas!” enquanto apoia o extermínio de 21.000 mulheres e crianças palestinianas, quer da direita, quer do centro político, deixa de ser cúmplice com o genocídio em Gaza (e na Cisjordânia que não é administrada pelo Hamas, o que demonstra que o Hamas é apenas um pretexto para a limpeza étnica).
Quando Zelensky admite, como Putin, que a guerra será muito prolongada e anuncia a morte de 31 mil soldados ucranianos (embora o chefe do Estado-Maior conjunto dos EUA tenha estimado, já há mais de um ano, 100 mil soldados ucranianos mortos e outros tantos russos, e mais de 10 mil civis mortos) e com 770 mil ucranianos fugidos da guerra, apesar da proibição de sair do país para homens entre os 18 e os 65 anos, seria uma boa altura para a União Europeia apelar a negociações de paz, que garantam a autodeterminação dos povos da Ucrânia, incluindo as regiões separatistas do Donbass (onde antes da criminosa invasão russa já havia uma guerra civil com 14 mil mortos), e da Crimeia, conforme a Lei Internacional, em vez de incentivar uma escalada de guerra com uma potência nuclear em plena Europa. Portugal só tem de cumprir a Constituição da República que “preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão (…) bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares (…)” e “o direito dos povos à autodeterminação e independência (…), bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”
É a PAZ, em Portugal e na Europa, que também está em causa, no voto a 10 de Março.