Na última edição do Expresso em papel, que eu já só vejo na forma digital desde que o Henrique Monteiro inventou a coisa de por o jornal nos nossos ipads, Ricardo Costa fazia publicar um texto a que deu o nome “A casa e o transporte”.
Nele tenta abordar as questões dos transportes nas áreas metropolitanas e, de passagem, dá uma bicada no pacote para a habitação.
Costa, este Costa que leio religiosamente há décadas, aborda uma questão central nos nossos dias – como viver nas grandes cidades sem ter um bom sistema de mobilidade. Mas entra por um caminho que não pode deixar de receber reparos, por lhe faltar agregação à realidade.
Há, porém, um primeiro elemento que importa ter em conta – Lisboa é uma piquena metrópole, muito piquena mesmo numa relação com as capitais europeias; o Porto não é sequer uma metrópole, porque lhe faltam os elementos básicos dessa mesma consideração, como sejam as trocas constantes de serviços a partir do município centro ou a liderança efetiva em termos de densidade populacional. Se quisermos, a chefia da chamada “área metropolitana do Porto” é assente em três municípios – Vila Nova de Gaia, Porto e Matosinhos, sendo que este último concelho assume hoje uma estrutura política, económica e social superior à do Porto com exceção dos universos da saúde e do ensino superior.
Lisboa é uma coisa bem diferente. Desde logo pelo crescimento na outra margem que resultou da urbanização das últimas quatro décadas do século passado; depois, porque o metro em Lisboa andou menos bem sob o ponto de vista da sua capilaridade e da sua qualidade quando comparamos com outras realidades europeias; e, por último, porque a flexibilidade das empresas para o tempo corrente, fruto de um presença do Estado, muito afirmada durante décadas e com levas de pessoal e material ociosos, criou despesa que carece, no tempo de hoje, de qualificação.
Importa dizer, antes de entrar com mais cuidado nas questões sobre Lisboa, que Portugal está a fazer o maior investimento das nossas vidas em ferrovia. A aquisição de material circulante, a recuperação do muito que estava encostado, a reabertura das oficinas ferroviárias e a nova fábrica de composições que recuperará o simbolismo da antiga Bombardier, não são epifenómenos, são realidades. São 117 comboios em aquisição, sendo 62 para as chamadas áreas metropolitanas. Valor – 819 milhões de euros.
E também importa dizer que temos uma situação hoje, no espaço metropolitano de Lisboa, que diz bem da forma como o transporte público está a captar clientes – a CP foi o único operar que já transportou, em 2022 e nas linhas que aportam à capital, mais passageiros do que tinha acontecido em 2019, antes da pandemia.
Quem faz a linha e Sintra ou viaja na da Azambuja sabe que a oferta é maior e os comboios são melhores, muitos foram requalificados. Esta mudança permitiu eliminar as supressões que chegaram a ser de dois serviços a cada hora de ponta. Em 2018 a situação era dramática, em 2022 ainda não é ótima, mas melhorou muito.
A Carris Metropolitana está em acertos, mas quem anda de transportes públicos já nota a diferença, como notará também, não tarda, os efeitos do alargamento da rede do metro do Rato para o Rio.
Todas as pessoas que viajam na linha de comboio que nos liga a Cascais sabem que o abandono era evidente. Trata-se de uma linha com mais do que uma função, o turismo assume aqui relevante penetração. O atraso na renovação do parque é nítido e a resolução do problema tardava. Está resolvido, como Carlos Carreiras bem disse em meses passados.
Ai Weiwei escrevia no Público de domingo que o Ocidente perdeu a capacidade de sofrer. Eu diria que um problema maior é a perda da paciência para ver acontecer. Ricardo Costa também não terá muita.
A política de transportes ficou parada num apeadeiro deste 2009, quando Ana Paula Vitorino saiu do Governo, e regressou em 2017, quando Pedro Nuno se viu ministro. Muito tempo. E um tempo em que, pelo meio, Sérgio Monteiro tentou vender tudo o que tinha à mão. Não houvesse uma mudança política e teríamos hoje em Lisboa uma enorme Barraqueiro com autocarros das sobras alemãs a transportar pessoas como se transportam mamíferos bunodontes no Oeste. A mudança vai continuar.