Reinventar a Internacional Socialista

O mundo mudou muito com o acelerar da globalização e da sociedade da informação. Nasceram novas redes internacionais de poder, mobilizaram-se interesses pela detenção de espaços de soberania que sempre pertenceram aos Estados, reuniram-se novas seitas políticas que detêm um perfil comum – acabar com a democracia liberal.

Tópico(s) Artigo

  • 20:36 | Quinta-feira, 25 de Julho de 2024
  • Ler em 4 minutos

A internacional Socialista (IS), instituição que reúne, no espaço mundial, os partidos socialistas, trabalhistas e sociais-democratas, foi, na segunda metade do século passado, a mais importante força no fazer valer o espírito da liberdade e da democracia em todos os continentes.

Os portugueses sabem bem o papel da IS na consolidação do nosso regime de Abril, no apoio ao PS como partido estruturante da liberdade e, ainda, no processo de adesão à União Europeia.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, a IS teve um papel muito determinante nas diversas tentativas de paz para o Médio Oriente e veio a contribuir, de forma decisiva, para a paz, para a normalização política e para a democracia em muitos dos países africanos.


O seu papel na América Latina foi, de igual modo, muito importante, principalmente nos períodos pós ditaduras militares na Argentina, no Brasil ou no Chile.

Acontece que, depois de um tempo tão importante e decisivo, a IS deixou de se fazer sentir. A queda das ditaduras comunistas, o alargamento e a consolidação da União Europeia, fizeram com que cedesse o seu papel principal, de concerto de políticas e de acerto dos fundamentos ideológicos, ao Partido Socialista Europeu. E esta nova preocupação com o PSE, muito centrada no papel que a U.E. deve ter, fez com que se fosse esquecendo a relação com os partidos socialistas e sociais-democratas dos restantes continentes.

 

A IS assumiu, ainda, uma certa cristalização na leitura sobre os movimentos políticos nos EUA. Clinton trouxe uma nova visão do “espaço do progresso” que se identificava, em muitos dos aspectos, com a visão dos socialistas e sociais democratas europeus. Mas tal aproximação ideológica não foi suficiente para que a esquerda democrática com diversas matizes, dos dois lados do Atlântico, se pudesse entender, usando um escrito comum sobre os princípios.

A eleição de Obama, acentuou, pelas características e origens deste novo protagonista, a visão progressista que os Democratas foram assumindo. A luta pela ideia generosa de um serviço de saúde para todos foi, é, um marco de identificação que não pode ser esquecido por quem sempre teve desconfianças.

O mundo mudou muito com o acelerar da globalização e da sociedade da informação. Nasceram novas redes internacionais de poder, mobilizaram-se interesses pela detenção de espaços de soberania que sempre pertenceram aos Estados, reuniram-se novas seitas políticas que detêm um perfil comum – acabar com a democracia liberal.

A China assume a desgraduação do pensamento plural alastrando a sua influência através das parcerias económicas; a India, o país mais populoso do mundo e uma potência em rápido crescimento, assume uma democracia musculada; a Rússia, insatisfeita com o fim dos impérios, desenvolve tutelas sobre os seus vizinhos.

As crises dos anos 2007 a 2010, que implicaram em todo o mundo ocidental, fizeram com que as respostas dos governos tivessem sido combatidas pelos cidadãos e tivessem criado fortes divórcios entre estes e as elites dirigentes.

Ao mesmo tempo, o alastrar da corrupção e a má gestão da coisa pública, aspetos que os socialistas e sociais democratas nunca poderiam ter descuidado, fizeram crescer os extremos. No mesmo sentido, as agendas transversais que até ao início do presente século estruturavam a ação dos partidos, deram lugar a agendas de minorias que, tocando aqui e ali e fazendo avançar a sociedade, se esquecem de largos setores da sociedade.

É este caldo que está a fazer crescer a aliança internacional iliberal. Estruturada com base em poucas palavras – corrupção, imigração, mercado – ela vai sendo consolidada a partir de Milei e Bukele na América Latina, de Trump na América do Norte, de Orbán e Meloni na União Europeia.

Neste momento, a IS é presidida por Pedro Sánchez. Pensou-se que houvesse a possibilidade de fazer nascer uma nova energia e um novo papel. Mas tal não está a acontecer, nem vai acontecer.

O primeiro ministro espanhol construiu governos que não conseguem ter uma unidade programática e perdem, todos os dias, o espaço político da moderação. Sánchez, ao fazer regressar as duas Espanhas da Guerra Civil, pôs em crise a democracia em evolução permanente que Gonzalez criou nas últimas décadas do século passado.

Mas mais, a sua ação governativa registou um progressivo isolamento pelo facto de ser, não raras vezes, implicada pelo oportunismo da agenda interna e, ainda, pelo PSOE ter vindo a perder o território para manter uma aparência de poder nacional.

No tempo presente, em que precisávamos, mais do que nunca, de uma IS com forte presença no mundo, o que temos é a sua quase inexistência.

O facto de se manterem, quase inalterados, os comités internos, desconhecendo novos movimentos no campo das reformas políticas, sociais e de costumes, o facto de não existir uma forma flexível de gestão da informação e de partilha de ideias de soluções, o facto de não se querer assumir uma visão do socialismo democrático e da social democracia que não tenha uma matriz eurocêntrica, fazem com que se acentue a preocupação com o futuro desta relevante organização internacional.

O Partido Socialista português foi, ao longo da existência da IS, um dos seus principais motores. A figura de Mário Soares, que fazia a ligação entre a Europa, as Américas, África e Ásia, ainda hoje é fundacional. A presidência de Guterres, que fez com que a IS valesse em processos de consolidação da democracia na América do Sul e em África, foi muito relevante. Porém, a nossa Internacional não existe, no tempo corrente, para os socialistas portugueses.

Está na hora de voltarmos à ação. Aproveitando o tempo em que vamos estar na oposição construindo uma alternativa de governo, deveria Pedro Nuno Santos ganhar para si a afirmação da social democracia nas diversas partes do mundo e neste tempo difícil. Nunca esquecer que os socialistas portugueses mantêm uma enorme capacidade de influência no Mediterrâneo, na África Subsariana e na América Latina. Será, também aqui, que o líder do PS se afirmará.

 

Ascenso Simões

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião