O Partido Socialista teve um dos seus piores resultados nas eleições legislativas regionais do passado domingo. E esse resultado não se deve a Sérgio Gonçalves, deve-se a Paulo Cafôfo e ao seu circulo restrito.
E gosto pessoalmente de Cafôfo, mas nunca bastou em política, para fazer uma carreira sustentada, um mero exercício autárquico acompanhado de uma dose excessiva de autoconvencimento.
Regressemos a 2007 e a partir daí construamos o caminho.
Nesse ano, Jardim provocou eleições legislativas regionais antecipadas como protesto pela aprovação de uma nova Lei das Finanças Regionais apresentada pelo governo de maioria absoluta do Partido Socialista. O PSD obteve 64% dos votos e o PS ficou-se por um resultado muito baixo de 15, 42%.
Esta vitória seria o penúltimo fôlego do eterno líder laranja do Chão da Lagoa, anunciava-se um período de instabilidade dentro do partido do sistema. Miguel Albuquerque, então Presidente da Câmara do Funchal, iniciava o assalto ao castelo.
Em 2011, o PSD voltaria a ter maioria absoluta, mas o PS seria ultrapassado pelo CDS, e teria o incrível resultado de 12% de votos.
A região vive tempos novos e o jardinismo esvai-se. Miguel Albuquerque e Paulo Cafôfo estão agora em polos opostos, mas uma estratégia bem concebida nunca os poria em confronto sem defesas.
O deserto de Albuquerque não seria longo. Nas regionais de 2015, o novo PSD ganha as eleições, o CDS volta a ser a segunda força política e o PS, numa aliança com mais três piquenos partidos, obtém 11% dos votos.
Em maio de 2015, o Partido Socialista madeirense elege para seu presidente uma personalidade diferente – Carlos Pereira. Não havia nele, não há, nenhuma capacidade para ceder ao princípio do subpoder típico dos partidos de oposição, não havia elasticidade para ser prestável a Lisboa, havia mais vida privada do que partidária.
Pereira tem uma parte do partido contra si. Desde logo os autores materiais dos resultados de 2011 e 2015, mas faz o seu caminho por fora, olhando a sociedade civil, prestando atenção aos movimentos da sociedade que são essenciais para construir uma alternativa sociológica que será obrigatoriamente diferente da alterativa partidária. Foi o seu erro. Fazer a tal alternativa por fora não podia dispensar a venda permanente dos amanhãs que cantam para dentro. Como também não foi muito acertado guerrear com um líder nacional.
A Madeira tem, a partir daí, três galos e meio no centro do combate político – Albuquerque, Cafôfo, Pereira e o piqueno líder do piqueno partido que é o CDS – Barreto.
O caminho faz-se. Albuquerque perde nítidos apoios, Cafôfo não se revela, mas aguenta-se, Pereira afirma-se e começam a sair sondagens interessantes. Em novembro de 2017, o Diário de Notícias da Madeira publica uma sondagem em que coloca o PS a discutir com o PSD a liderança da região e os lideres dos dois partidos separados por um 1%. Eram grandes notícias para o PS e para Pereira. Só que não o eram para as muitas fações que o PS da região sempre comportou.
Foi aqui que o PS começou a perder tudo. Foi aqui que faltou uma visão ampla da estratégia, foi aqui que se constatou a escassez de vida política de Cafôfo.
Carlos Pereira continuou o seu caminho na defesa da Madeira em Lisboa, tornou-se um dos deputados mais notados e mais relevantes (com algumas celeumas como sempre aconteceu com os bons parlamentares).
Cafôfo cede, com pouca convicção, o seu lugar de autarca da cidade grande e acha que tudo são rosas. Não eram! É muito raro acontecer uma vitória maior que uma mera câmara, um governo regional implica outras exigências, outras competências para além da empatia e da superficialidade na abordagem dos problemas. Também andou mal o PS nacional ao intrometer-se em processos regionais.
Um PS competente teria caminhado com Pereira e Cafôfo a par. Pereira deveria ter tido oportunidade de ser candidato a Presidente do Governo em 2019 e Cafôfo deveria ter-se afirmado (confirmado) num terceiro mandato e com uma transição na Câmara que não levasse a uma derrota estrondosa como aconteceu em 2021.
As eleições legislativas regionais de 2019 foram para o PS e Cafôfo o ponto mais alto. A partir daí a estratégia foi toda errada. O candidato a Presidente do Governo torna-se presidente do Partido sendo mesmo apoiado por Carlos Pereira, depois demite-se de deputado regional e de líder partidário por decorrência de novas derrotas políticas, regressa à escola e é recuperado por Costa para membro do Governo. A sua ligação à Madeira extinguiu-se definitivamente.
Mas o seu grupo, assente em pessoas com pouca experiência partidária e com excesso de ambição, continuou. Elegeu um mínimo denominar comum – Sérgio Gonçalves, e foi a eleições só para garantir lugares no parlamento para os lideres das tribos que fazem do PS Madeira um ente pouco recomendável. O PS voltou a ser insignificante, deixou de ser alternativa viável o que autorizou a que os piquenos partidos tivessem voltado a estar no plenário deputacional.
Este longo texto serve, sem espinhas, para mostrar ao PS (nacional e regional) como não voltar a errar. Neste momento, o militante do PS que está em melhores condições de reerguer o projeto é Carlos Pereira. Mas esbarra com quem tem a chave dos ficheiros de militantes e essa chave é poderosa.
Também esbarra com a sua natureza. Fazer um novo caminho não pode ser contra os que fizeram os caminhos anteriores. Mesmo que sejam lideres de fação, mesmo que tenham tido resultados péssimos. Todos terão de ser implicados. Cafôfo, Trindade, Serrão, Freitas, Câmara, Pessegueiro, juntos com a Juventude Socialista que tão escorraçada foi, devem fazer um acordo de futuro. Vai demorar a sarar as feridas, mas não pode deixar de haver um esforço que seja assumido junto de António Costa e de todos os que, no porvir, farão também o PS no país. Talvez falte sentar à mesa, num sítio sem ruído, Pereira e Cafôfo. Um para poder reerguer, outro para não morrer de todo.
Ascenso Simões