O relatório da Alzheimer Europe – Estimating the prevalence of dementia in Europe, recentemente apresentado em Bruxelas, prevê que em Portugal, em 2050, existam 346.905 pessoas com Alzheimer ou outra forma de demência (3,82% da população).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca: “a demência é devastadora não só para quem dela padece mas também para os seus cuidadores e familiares.” A demência é uma doença do núcleo familiar. A família assume um papel central na prestação de cuidados e na garantia da prestação de serviços à pessoa com demência. Segundo os dados da OMS, os custos inerentes ao cuidado das pessoas com demência são assumidos em 85% pela família e apenas 15% pelos sistemas de social e de saúde.
A família no seu todo e, muito particularmente, quem exerce as funções inerentes ao cuidador (a) principal sofre, não raras vezes, de sobrecarga e desestruturação nos diversos âmbitos da sua vida pessoal, social e laboral.
Cuidar de uma pessoa com demência pode afetar a saúde física e mental do cuidador ou cuidadora, bem como o seu bem-estar e relações sociais. Muitos cuidadores e cuidadoras são obrigados a proceder a reajustamentos para tornar possível a conjugação da atividade laboral e os cuidados a prestar a seu ente querido. É comum a redução do tempo de trabalho e em muitos casos a solução passa mesmo por deixar de trabalhar.
Dos reajustamentos laborais resultam efeitos nefastos como a dificuldade de reingresso no mercado de trabalho, quando deixa de ser necessário cuidar, e a redução da capacidade económica da família, contribuindo, fortemente, para o empobrecimento de muitas famílias com as inevitáveis consequências nefastas para a pessoa cuidada e para o/a cuidador/a.
A Lei n.º 100/2019, de 6 de setembro, aprovou o Estatuto do Cuidador Informal que regula os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada, estabelecendo medidas de apoio. A mesma lei prevê o desenvolvimento de projetos-piloto regulamentados pela Portaria n.º 64/2020 de 10 de março. A Portaria estabelece o valor do subsídio a que os cuidadores informais terão direito que se situa num intervalo entre 248,20€ e 343,50€. Esta prestação, passível de ser requerida a partir do dia 01 de abril em 30 concelhos do país, será concedida mediante condição de recursos, ou seja, apenas será atribuída a pessoas em situação de pobreza. Uma medida, importante, de combate à pobreza que visa garantir que o cuidador e a pessoa cuidada, conjuntamente, beneficiem de um rendimento mensal nunca inferior a um Indexante de Apoios Socias (IAS), estipulado, à data, em 438,81€.
Na determinação dos recursos do cuidador informal principal são tidos em consideração: os rendimentos do cuidador informal principal; Complemento por dependência de 1.º ou de 2.º grau ou subsídio por assistência de terceira pessoa. O valor a atribuir será apurado em função da diferença entre o IAS e a prestação que já recebe.
A Portaria deixa muito a desejar e não revela a ambição e o impetrativo de considerar a demência uma prioridade social e de saúde pública. Não sendo um mero placebo, também não será mais do que um paliativo ao qual muitas portuguesas e portugueses, que merecem viver com dignidade e respeito pelos seus direitos, não acederão.
Li, reli e não compreendo a lógica do Artigo 17.º – Promoção da integração no mercado de trabalho: “Após a cessação da prestação de cuidados, o cuidador informal, que tenha sido reconhecido e que pretenda desenvolver atividade profissional na área do cuidado, pode ser encaminhado para um percurso de qualificação, nomeadamente no âmbito do Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) escolar e profissional.
O legislador teve mesmo o objetivo de certificar o cuidador informal e transformá-lo num cuidador formal?
A medida aplica-se apenas a quem quiser exercer atividade profissional na área do cuidado?
Os apoios previstos são apenas para pessoas pobres e com baixas qualificações?
As/os cuidadoras/es da “classe média” ficarão desprotegidos até que empobreçam, engrossando as fileiras das desigualdade social?