Prisões flutuantes

A Europa tem uma hemorragia na Ucrânia e não tem encontrado o antídoto para estancar a proliferação de outras feridas que poderão cronificar-se e tornar-se letais para o modo de vida europeu.    

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  • 12:13 | Terça-feira, 01 de Agosto de 2023
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Numa pesquisa rápida, no motor de busca google (27/07/2023), sobre notícias de “migrantes”, recebemos 79.700 resultados (0,24 segundos). Primeiras 10 notícias: “Tribunal dos EUA trava restrições de Biden aos pedidos de asilo” (Público); “Mais de 80 migrantes resgatados de barco em Espanha. Um não resistiu” (Notícias ao Minuto); “Tráfico humano. Operação «Flash-Weka» da Interpol-Afripol leva a 1062 detenções” (RTP); “Polónia denuncia novas tentativas de violação da fronteira por migrantes a partir da Bielorrússia” (Correio da Manhã); “Giorgia Meloni promove conferência internacional sobre migração” (Euronews); “Mais de 1.300 pessoas foram resgatadas desde domingo no Mediterrâneo” (Sapo 24); “Que o Mediterrâneo nunca mais seja cenário de morte e desumanidade”. Papa Francisco pede «ajuda e assistência» para migrantes (CNN Portugal); “Autocarros atrás de autocarros. Texas envia migrantes para estados democratas (Sábado); “Provedora de Justiça Europeia investiga ação da Frontex no naufrágio na Grécia” (Euronews); “Mais de 69 mil migrantes conseguiram voltar para casa em 2022” (UN News).

Não estamos a encontrar respostas eficazes para os movimentos migratórios. No continente europeu, que não será o pior exemplo no mundo, as soluções que vão sendo encontradas pouco ou nada se ajustam aos valores da nossa cultura de respeito pelos direitos humanos. No Reino Unido, o Governo de Boris Johnson procurou manter-se firme no combate à imigração irregular. Este compromisso, mais complicado no pós-brexit, levou a que se legislasse no sentido de enviar para o Ruanda os imigrantes. No dia 14 de junho de 2022, partiu de Londres, em direção a Kigali, o primeiro voo. Num avião com capacidade para 220 passageiros, viajaram 6 imigrantes…. Muita política e comunicação, pouca eficácia e rara humanização.

Um ano depois, agora com Rishi Sunak nos comandos, foi aprovada uma lei de imigração duríssima e a aposta passou do ar para o mar. Chegou, ao porto de Portland, a primeira embarcação, com capacidade para 500 residentes. A Bibby Stockholm, uma embarcação gigante, servirá para alojar os recém-chegados ao país, depois de atravessarem as perigosas águas do Canal da Mancha. Em 2022, terão chegado ao Reino Unido 46.000 imigrantes; em 2021, 28.500; em 2020, 8.466; 2019, 1.843. A primeira prisão flutuante (há mais 2 encomendadas) será uma solução para reduzir os custos de alojamento, as cerca de 160.000 pessoas, que aguardam a tramitação do seu pedido de asilo, pressupõem um investimento de mais de 6 milhões de euros por dia, de acordo com as informações disponibilizadas pelo Ministério do Interior.  

 


Na Alemanha a situação agudiza-se, a conflitualidade emerge no espaço público. Em Berlim, uma onda de violência já levou ao encerramento de várias piscinas públicas. Desde a abertura da temporada das piscinas ao ar livre, têm-se avolumado zaragatas, injúrias e agressões aos trabalhadores, ataques a mulheres e pessoas LGBTQI+. O desprezo pelas normas básicas de convivência parece estar a normalizar-se. A gravidade dos acontecimentos ganhou relevância mediática. O próprio chanceler Olaf Scholz deu uma conferência de imprensa sobre o assunto. O novo presidente de Berlin, Kai Wegner, numa conferência de imprensa, na piscina de Prinzenbad, deixou claro que não vão tolerar espaços sem lei. Muitos dos incidentes, associados a jovens imigrantes, são usados como alimento para os discursos inflamados da extrema direita que não perde a oportunidade de exigir mão dura com os comportamentos incivilizados. A AFD já conquistou 20% das intenções de voto. Ao comentar esta questão com a minha irmã, que trabalha numa piscina pública alemã, em Stuttgart, ela relembrou-me que já me tinha dito algumas vezes que os incidentes são quase diários, com a necessidade de recurso às forças policiais. Deu-me também nota de que, no dia 23/07/2023, a polícia foi, uma vez mais chamada a intervir, mas, desta vez, para por termo a uma manifestação de extrema direita. Jovens “ativistas” do grupo “Wackre-Shwaben”, encapuçados, munidos de tarjas e tochas, subiram ao telhado da receção da piscina e destilaram o seu ódio aos imigrantes. Os slogans que propagam são: Stop der importierten Gewalt (Stop à violência importada); Sichere Grenzen (Limites Seguros); Remigration (Reimigração) [perdoe-me, caro/a leitor/a, a tradução livre]. Na página, no Instagram, podemos ver algumas das ações / manifestações, campos de treinos, palavras de ordem (Deutsche Raus, Wir haben platze). Aterrador! Dizem não tolerar mais, em silêncio, o assédio sexual das mulheres alemãs, a violência urbana, a falta de habitação e de civismo.

A Europa tem uma hemorragia na Ucrânia e não tem encontrado o antídoto para estancar a proliferação de outras feridas que poderão cronificar-se e tornar-se letais para o modo de vida europeu.

Em Portugal, assistimos a megaoperações da Polícia Judiciária para desmantelar redes de tráfico de seres humanos. Teremos 300.000 imigrantes a aguardar pela regularização da sua situação, metade dos quais da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Da agricultura alentejana (Odemira já será pretérito), à apanha da ameijoa no estuário do Tejo, ao trabalho em produções avícolas ou nas vindimas, podemos constatar que a integração é uma mera ilusão ou especulação. Volto a este tema pela urgência que o mesmo me suscita. Estão a chegar muitos imigrantes ao nosso país (homens, mulheres e crianças). Não basta, senhora Alta-Comissária para as Migrações, dizer que “as instituições estão preparadas para o aumento da imigração regular” e que é “expectável a redução de exploração de máfias e aumento do fluxo regular”. Dr.ª Sónia Pereira, a tarefa não será fácil, parece ser evidente que as suas afirmações e expectativas sucumbem, sem apelo nem agravo, à realidade.

 

(Fotos DR)

 

 

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