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Confundindo vigilância com intromissão, seriedade com severidade, fiscalização com atentado aos direitos, exemplo com perseguição, temendo a impopularidade do critério, escolhem não intervir, optam pela arbitrariedade, o caminho fácil dos néscios, a via imprópria dos eunucos, as águas salobras dos impotentes.

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  • 11:17 | Segunda-feira, 07 de Outubro de 2024
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Na semana passada, um jornal nacional noticiou que, no presente ano lectivo, os alunos no ensino superior caem quase para metade, uma quebra de 41,%, relativamente ao ano passado. Apenas 1655 alunos, beneficiários do escalão A, entraram nas universidades e politécnicos.

A generalidade da comunicação social, ocupada com a luta de galos, que se arrasta penosamente desde Março, no ringue do orçamento, desinteressou-se do assunto, talvez por o considerar menor ou não se anunciar com as estrias da polémica.

Perante os números, a Comissão de Acesso, não tendo ideia inovadora, ficou-se pelos costumes, sugerindo o que qualquer cidadão atento e preocupado proporia: o reforço da Acção Social Escolar. Pouco e elementar.


O mercado da habitação, altamente inflaccionado, contribui bastante para esta dificuldade. O aluguer de um simples quarto a preços exorbitantes, é uma barreira instransponível para as famílias mais desfavorecidas. Mesmo as residências universitárias, quando, de facto, houver vontade política para as construir, e não forem apenas parte de um portfolio de boas intenções, tardarão anos a chegar, não sendo solução imediata.

Alguns agregados familiares pensam em recorrer ao crédito bancários, mas os juros altos não convidam ao risco. Os tempos não são de aventuras. E quem não pode, fica para trás.

Talvez a atribuição criteriosa de subsídios de alojamento e de aquisição de material escolar, a isenção de propinas e do pagamento das refeições nas cantinas universitárias sejam instrumentos de diminuição da carga que recai sobre quem quer prosseguir estudos, uma oportuna almofada financeira para quem faz contas todos os dias.

Copiando o que já se faz lá por fora, a facilidade do crédito, durante o curso universitário, com juros bonificados, obrigando-se o estudante, quando ingressasse no mercado de trabalho, ou, eventualmente, desistisse da formação, a restituir o montante emprestado, seguindo um calendário viável e sensato, não seria caminho a enjeitar. Mas tudo isto acompanhado de uma consciente e rigorosa política de fiscalização dos rendimentos e do aproveitamento escolar.

Talvez por Portugal ter vivido séculos numa monarquia de poder absoluto, gozando os reizinhos de impunidade e imunidade, numa 1.ª República descomandada e sem freio nos excessos, não esquecendo as virtudes, e numa ditadura cega e fria nos procedimentos administrativos, a quem interessava o atraso, os governantes da democracia, hoje, amedrontam-se com o rigor e hesitam no zelo que devem presidir à boa aplicação dos subsídios, os apoios sociais, na linguagem da moda, que convém seguir, evitando os rótulos. E, na incapacidade de discernir quem, na realidade, os merece, distribuem a eito, fiéis ao princípio secular do taberneiro e do bêbado: antes verta do que mal cheio.

Confundindo vigilância com intromissão, seriedade com severidade, fiscalização com atentado aos direitos, exemplo com perseguição, temendo a impopularidade do critério, escolhem não intervir, optam pela arbitrariedade, o caminho fácil dos néscios, a via imprópria dos eunucos, as águas salobras dos impotentes.

E ficam-se nas covas, incapazes de separar o trigo do joio.

E a teta do orçamento alimenta indistintamente quem deve e não deve, o desvalido e o oportunista, o infeliz e o vadio, o enteado e o mandrião.

Pelo que conheço, vejo e me contam, se se cortasse em quem abusa e torpedeia o Estado, gozando da sua benevolência, que é mais incompetência, muito sobraria para dar a quem precisa.

O Estado só é eficaz sobre quem não pode fugir, cobrando nos salários, mas absolutamente inepto para ir atrás de quem o engana e foge. Nessa perseguição, que teria muito de patriótica, é fraquinho, fraquinho, se não metesse dó, seria até razão para desconfiar.

Pois, quanto ao assunto que hoje aqui me traz, preocupa-me que, aos poucos, voltemos ao antigamente: só tiravam cursos superiores aqueles cujas famílias tinham dinheiro para suportar os custos inerentes a esse benefício. Eram poucos os que prosseguiam estudos, ficando para trás muitos jovens com talento e inteligência bastantes para irem mais além. Portugal, precisando de todos, não pode dispensar os melhores, pelas mesquinhas razões de ausência de posses e de rendimentos.

É arcaico e estúpido que num país da União Europeia os com engenho e aptidão fiquem na cauda, porque o Estado não tem uma estratégia de superação das insuficiências familiares. Se, de facto, e por convicção, queremos um Portugal coeso e moderno, não é tolerável esta discriminação. Isto sim, é que nos devia juntar, agregar, unir. Mas aceitamos e baixamos os braços, como se a injustiça fosse padrão.

Já há séculos, D. Maria Pia de Saboia, esposa do nosso rei D. Luís, numa carta ao pai, Vítor Manuel de Itália, o chamado o “Pai da Pátria”, por ter unificado a Península Itálica num único estado, dizia, referindo-se aos lusitanos: “Esta gente é de um pacifismo incrível.”

Com tristeza, embora sem estranheza, constato que as agendas partidárias tão ágeis e hábeis na frenética luta pela inclusão social, arrebanhando apoios para a causa, rápido se desinteressem por esta desigualdade, injusta e encapotada, mas não menos ofensiva e aviltante. Esta sim, a minar os alicerces e os fundamentos de uma saudável sociedade democrática.

Infelizmente, por fazer parte da nossa matriz, que nos devia envergonhar, e também por não ser novidade, não convoca manifestações, não atiça os entusiasmos da intelectualidade reinante, faminta do que é fracturante e lhe chega de outros mundos, empurrado pelos ventos desgraçados e precários do modismo.

PS: O salário mínimo passa para os 1.000 €, em 2028. E os estrategas continuam na sanha de esquecerem o médio?

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Publicado em Opinião