Nos últimos anos temos assistido a um intenso debate sobre a necessidade de se fazer uma revisão profunda na lei que enquadra as Ordens Profissionais.
Esse debate foi iniciado no período em que Portugal esteve sujeito a intervenção externa (2011/2014) e regressou na decorrência das reformas que foram propostas a Bruxelas para a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência, nascido para fazer face aos impactos da pandemia 2020/2021.
A questão é mais difícil do que parece, porque o nosso país continua a ser profundamente corporativo e implicado pela capacidade que as Ordens Profissionais têm na determinação das políticas públicas.
Mas a implicação das Ordens velhas vê-se de forma mais grave nas barreiras que colocam no acesso à advocacia ou no impedimento de abertura de novos cursos de medicina ou de vagas para especialidades médicas.
Estamos em presença de áreas que na maior parte dos países da Europa estão entregues a organismos públicos e assim deveria ser em Portugal.
Durante o longo período (excessivo mesmo) em que fui deputado à Assembleia da República, votei sempre contra a criação de novas Ordens. Elas não nasciam por razões inerentes ao exercício da profissão, apareciam como que certificadoras de uma certa dignidade perante outras profissões próximas.
Em boa verdade, nunca entendi a criação das Ordens dos Fisioterapeutas ou dos Assistentes Sociais, como também não vejo qualquer necessidade de existir uma Ordem dos Contabilistas Certificados, como que a dizer – podem existir contabilistas de contrafação…
O Parlamento regressou, nesta legislatura, ao tema. E fez bem em não se deixar invadir pelas pressões que vieram de muitos setores.
Limitou o poder no acesso às profissões, definiu as regras dos estágios, promoveu uma mudança na gestão interna e, para mim o mais importante, introduziu mecanismos de controle externo. Ou seja, deu um passo muito tímido para limitar a opacidade em que algumas delas vivem.
Mas foi aqui, no controle da opacidade, que a porca torceu o rabo. As Ordens mais antigas não querem sistemas de reporte nem de avaliação feitos por pessoas exteriores à rodinha dos que nelas mandam.
Essa força foi tal que o Presidente da República, conhecedor profundo da Constituição, decidiu enviar o diploma para o Tribunal Constitucional. Os argumentos eram frágeis – questões de igualdade e proporcionalidade, limitações à autorregulação, chegando até à questão da democraticidade interna.
Depois de uma verificação, das mais rápidas que conheço, os juízes do Ratton disseram, por unanimidade, que tudo estava conforme.
Os bastonários, essa gente respeitosa que mais do que servir os interesses do país se enfatua lutando contra o Governo de serviço, vieram dizer que a nova lei das Ordens era constitucional, mas não servia os propósitos das profissões.
A questão é, porém, mais profunda. Faz sentido termos em Portugal uma lista imensa de Ordens? A resposta é – Não!
A questão não é pessoal, porque eu acabaria com todas elas; a questão é institucional e, olhando a necessidade de ainda termos componentes públicas delegadas nas Ordens, o país poderia limitar-se a entidades transversais.
Está claro, tudo isto seria um bicho de sete cabeças. Uma Ordem do setor da saúde presidida por um enfermeiro seria uma revolução, um engenheiro técnico passar a liderar os homens que recebem o prémio Pritzker apareceria como sacrilégio.
Mas em cada Ordem existiriam os respetivos colégios de especialidade que tratariam das questões que importam, em especial as de natureza deontológica.
Não vá o meu amigo Manel, que me engraxa os sapatos nos Restauradores, querer também a sua Ordem! Seria com mérito…
Ascenso Simões
(Fotos DR)