Confissão de um terrorista
Ocuparam a minha pátria,
Expulsaram o meu povo,
Anularam a minha identidade…
E chamaram-me terrorista!
Confiscaram a minha propriedade,
Arrancaram o meu pomar,
Demoliram a minha casa…
E chamaram-me terrorista!
Legislaram leis fascistas,
Praticaram o odioso apartheid,
Destruíram, dividiram, humilharam…
E chamaram-me terrorista!
Assassinaram as minhas alegrias,
Sequestraram as minhas esperanças,
Algemaram os meus sonhos…
Quando recusei todas as barbáries
Eles…mataram um terrorista!
Mahmoud Darwish (1941-2008)
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Mahmoud Darwish é o maior poeta contemporâneo do mundo árabe e poeta nacional da Palestina, traduzido em mais de 20 línguas. Ele testemunhou, aos sete anos, a destruição da sua aldeia, na Galileia, arrasada pelo exército de Israel durante a guerra de ocupação em 1948. A família refugiou-se no Líbano e ao regressarem clandestinamente viram que Al-Birweh, uma das 536 aldeias palestinianas arrasadas, tinha sido transformada num Kibutz, colonato agrícola judaico. Foi autor da Declaração de Independência da Palestina, de 1988, lida por Arafat, e dirigente da OLP, de onde saíu por discordar dos Acordos de Oslo, que considerou, como muitos outros palestinianos, uma capitulação de Arafat, ao aceitar a divisão e a colonização da Palestina, a troco de uma autonomia aparente e muito limitada pelo cerco militar e pela expansão dos colonatos. Darwish denunciou o Hamas como uma organização semelhante aos talibã.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, fez o que já devia: apelou a um cessar-fogo imediato entre Israel e o Hamas, de modo a poupar mais vidas palestinianas, para além dos 8.300 mortos, dos quais 3.457 são crianças e 2.136 mulheres, e 21 mil feridos pelos bombardeamentos israelitas, a somar aos mais de 100 mortos na Cisjordânia e em Jerusalém Leste (até ao momento em que escrevo, 30 de Outubro), dizendo o que toda a gente sabe há demasiado tempo: que os ataques terroristas do Hamas não podem servir de justificação para Israel violar as leis internacionais e bombardear o sul da Faixa de Gaza, depois de ter forçado mais de um milhão de palestinianos do Norte de Gaza a deixarem as suas casas e haveres, deslocando-se para o Sul; nem as queixas “justas e antigas” dos palestinianos, sujeitos a 56 anos de ocupação, (na verdade, são 75 anos de ocupação) condenada por resoluções da ONU, podem justificar os actos terroristas do Hamas. Foi o suficiente para o embaixador de Israel na ONU pedir a demissão de Guterres.
Agora, trata-se de um genocídio, uma vez que a população não tem alimentos, água (estão a beber água salgada, o que já provocou, a morte de idosos e de bebés por hipertensão e lesões nos rins), electricidade e combustível para por a funcionar os geradores em hospitais que já estão a operar sem anestesia e a desinfectar com vinagre.
Este é o 10º massacre perpetrado por Israel, só desde 2006, na Faixa de Gaza, que já provocaram mais de 10 mil mortos, sendo a maioria civis inocentes. Só no massacre de 2014, em Gaza (denunciado em Viseu pela Amnistia Internacional e pela Associação Olho Vivo, numa acção conjunta), segundo dados da ONU, foram mortos 2.189 palestinianos, sendo 1.486 civis (o Ministério da Saúde de Gaza apontou 2.320 mortos) , 11 mil civis feridos e 100 mil deslocados, tendo Israel ficado com 67 soldados e 6 civis mortos. Na operação “Chumbo Fundido”, de Dezembro de 2008 a Janeiro de 2009, Israel bombardeou Gaza matando 1.400 palestinianos (sendo cerca de 900 civis) e ferindo 5.300, enquanto Israel sofreu 13 mortos, sendo 3 civis. Em 2006, na Operação Chuva de Verão, Israel matou 405 palestinianos, a maioria civis, e feriu mil, tendo sofrido 11 mortos, entre soldados e civis e 38 feridos. Só por estes números se vê que Israel pratica um terrorismo de Estado muito mais assassino do que os terroristas do Hamas, para além das humilhações diárias, os ataques dos colonos sob protecção do exército, a expansão ininterrupta dos colonatos que já ocuparam 80% da Palestina, do apartheid que impede israelitas de entrarem nas cidades palestinianas e vice-versa, transformando os territórios ocupados numa colónia e o território da Palestina como se fosse um conjunto de ilhas cercadas por muros e estradas onde não podem circular palestinianos.
É triste ver os países europeus a prestarem solidariedade a Israel, sem fazerem o mesmo aos palestinianos, e nem sequer chegarem a acordo sobre a necessidade de apelar a um cessar-fogo humanitário, com alguns a apoiarem o “jardineiro” Borrell que defendeu uma “pausa bélica”, porque, sendo menos ambiciosa, é mais rápida para permitir ajuda humanitária, como quem diz: “Pedimos desculpa por esta interrupção, o massacre segue dentro de momentos”! Outros, como Alemanha, França e RU, reiteram o “direito à defesa” de Israel, apesar de estarem a assistir a um genocídio por parte dos sionistas, com crimes de guerra e crimes contra a humanidade, de acordo com as definições da lei internacional.
Em 2021, o Tribunal Penal Internacional quis investigar o massacre de mais de 2.100 palestinianos, a maioria civis, assim como 67 soldados e 6 civis israelitas, cometido por Israel na Faixa de Gaza em 2014, e na Cisjordânia e Jerusalém Oriental em 2019, mas Israel, que não aderiu a este tribunal, como os EUA e a Rússia, ao contrário da Autoridade Palestiniana, disse, pela voz de Netanyhau, que iria resistir ao que chamou de “perversão da justiça” do TPI.
A porta-voz da Casa Branca qualificou de “repugnante” a posição de congressistas democratas que apelaram a um cessar-fogo em Gaza. Repugnante foi a aprovação no Parlamento português de um voto de repúdio pelo terrorismo do Hamas, sem uma só referência ao terrorismo de Estado de Israel, cujos crimes de guerra acumulam com o crime contra a Humanidade (pela extensão e vontade de extermínio) e o crime de Genocídio (pelos massacres contra uma entidade nacional, étnica ou religiosa), segundo a definição do Tribunal Russell. O voto contra do PCP e do BE no ponto 2, que referia o direito de Israel à auto-defesa, não foi suficiente para impedir a maioria parlamentar, do centro à direita e à extrema-direita, de assumir, assim, em pleno massacre de Palestinianos em Gaza, a cumplicidade de Portugal com os crimes de guerra, contra a Humanidade e de Genocídio que Israel está, neste momento, a praticar, sob o olhar impotente de António Guterres e da ONU.