Estamos em ano de Autárquicas, as eleições em que se elegem os órgãos das autarquias locais: Câmaras Municipais, Assembleias Municipais, Juntas de Freguesia e Assembleias de Freguesia. Mas numas eleições com três boletins de voto e diferentes combinações de listas candidatas é importante uma reflexão precedente de tudo o resto: afinal para que servem estes órgãos?
A Constituição da República Portuguesa enuncia três espécies de autarquias locais: as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, ainda por instituir (mas esse é assunto para outro momento). As autarquias locais efetivamente existentes – freguesia e município – englobam, cada uma, dois órgãos locais.
Na freguesia, são a Assembleia, enquanto órgão deliberativo, eleito diretamente pelas pessoas recenseadas na respetiva área geográfica; e a junta de freguesia, como órgão executivo, em que a presidência cabe a quem encabeçou a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia e os restantes membros são eleitos pela Assembleia de entre as restantes pessoas que a integram.
Constituem atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com o município. Já a Assembleia de Freguesia tem as competências específicas de apreciação e fiscalização do trabalho desenvolvido pela Junta.
Ao nível municipal, os órgãos são a Assembleia, deliberativa, e a Câmara, executiva. A Assembleia Municipal é constituída por membros eleitos por sufrágio directo e universal e ainda por presidentes de junta. Quem preside à Câmara Municipal é quem encabeça a lista mais votada, designando depois, entre os mandatos de vereação, a vice-presidência.
A Câmara Municipal tem as competências materiais e de funcionamento, enquanto cabe à Assembleia Municipal a sua apreciação e fiscalização.
Em qualquer um destes casos é importante não esquecer uma aspeto basilar: estes órgãos são eleitos pelas pessoas, pelas populações, e devem ter como principal princípio orientador da sua ação o serviço e salvaguarda dos interesses da comunidade. Uma eleição não é um privilégio, é uma missão; não é uma nomeação elitizante, é uma responsabilidade; não é um elevador social ou profissional, é o compromisso de trabalhar em proximidade com as populações.
Temo que as respostas a estas questões se inclinem no sentido de uma menor transparência, de uma menor exigência democrática, de uma menor promoção de uma sã cidadania.
As práticas andam tantas vezes tão longe do que idealmente deveriam ser estes órgãos locais, de proximidade e serviço, que esquecemos verdadeiramente para que servem. Assim se vai criando uma cisão cada vez mais proeminente entre as gentes e a política, ela mesma cada dia mais despida do seu verdadeiro sentido.
Ainda é possível reverter este curso e conduzir, novamente, a política às pessoas e aos seus interesses. Para tal é preciso refletir e desconstruir as falaciosas ideias existentes sobre a funcionalidade dos órgãos locais. Vamos aproveitar as Autárquicas de 2021 para o fazer?