“As palavras mudam as suas definições e usos (…) ao longo da história da língua, através das regiões, faixas etárias e estratos sociais. A profícua história da gramática, que é o sistema nervoso do pensamento, inscreve-se nas tensões dialécticas entre correcção (uma noção grandemente associada à política e às relações de poder) e subversão, entre herança e inovação.”
G. Steiner, “Errata: revisões de uma vida”, Relógio D’Água, 2009.
Uma língua tem a sua história, a sua diacronia, que vai desde a sua origem (nem sempre de fácil e exacta datação) até ao momento presente, ou, no caso das línguas mortas, até ao momento da extinção dos seus falantes, da cultura que a produziu, da civilização que a enfermou.
Se hoje é consensual que o primeiro texto formalmente escrito em língua portuguesa é o Testamento de D. Afonso II, documento que atesta o nascimento oficial da LP, datado de 27 de Junho de 1214, não quer dizer que não fosse anteriormente falada. Até e porque há uma diferença temporal grande entre a oralidade e a sua fixação pela escrita
Aquele que é considerado o primeiro dicionário português “Elucidário das Palavras, Termos e Frases, que em Portugal antiguamente se usarão” é datado de 1758, da autoria de Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, oriundo de Gradiz, Aguiar da Beira, onde nasceu a 13 de Maio de 1744. Este notável franciscano foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências e notário Apostólico, tendo-se retirado nos últimos tempos da sua vida para o Convento da Fraga, onde viria a falecer a 13 de Fevereiro de 1822.
É comum apodarmos de regionalismos muitas das palavras que Aquilino Ribeiro usou em alguns dos seus romances, de mais difícil compreensão para o vulgo. Porém, muitas delas, se consultarmos o Elucidário, lá as encontraremos, como encontramos a primicial edição desta obra no espólio bibliográfico do Mestre, na Soutosa.
No século XX, predominantemente, os políticos perceberam que a adulteração semântica das palavras, a eliminação de algumas e o uso desabusado de outras lhes conferia poder. Hitler e o seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels perceberam-no de início. Também Benito Mussolini em Itália, Estaline na Rússia, Franco em Espanha e Salazar em Portugal, entre outros.
Hoje, as palavras, em geral, vivem a sua grande crise e suportam os seus mais duros transes. Os acordos ortográficos roubam-lhes identidade e memória, nivelando-as por baixo ao sabor dos políticos de circunstância. A revolução das redes sociais e a linguagem simplificada dos telemóveis também disso têm culpas. Porém, é o discurso de certos políticos emergentes que as deturpa ofensivamente de acordo com a sua eficácia face aos acríticos receptores e para substanciação da retórica da falácia e da ilusão pela qual se afirmam. A subversão política e a mistificação da realidade tem nelas um seu eficaz adjuvante…