Os Torquemadas da Educação

É revoltante o modo como o Estado, as escolas se intrometem na vida das famílias, invadem a sua privacidade, alteram rotinas, ditam leis sobre o que, mesmo a coberto das normas, não devem. Mandam. Dentro de quatro paredes, sem a presença da ciência, e muitas vezes à revelia dos pais, decide-se o que fazer.

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  • 14:07 | Segunda-feira, 31 de Março de 2025
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Talvez sim, talvez seja política e socialmente incorrecto. Que seja! Por vezes, gosto de ir em sentido contrário ao da “manada”, mansa e obediente ao cajado!

Devagar, de mansinho, simulando as melhores intenções, ele vai entrando, e, quando damos conta, temos o elefante na sala. É tão comum a intrusão do Estado na vida das pessoas, que nem damos por ela, ou, se damos, não a valorizamos, já faz parte do dia-a-dia.

A coberto dos Direitos da Criança, o Estado, os Estados, elaborando legislação a preceito, criaram um monstro, que vai ganhando estatuto, vantagem e força. Falo no geral, reconhecendo que há casos e casos. Mas começam a ser muitos, e evidentes, os absolutamente evitáveis.


Quando excessiva, a presença da Escola – um dos longos braços do Estado – na vida das famílias é revoltante. Por tuta e meia, a Escola opina, orienta, encaminha. Decide. Intromete-se. A criança não segue o trilho, dobram os sinos; uma criança tem problemas de aprendizagem, lá vem o pelotão da Educação Especial, carregado de manuais e formulários, esquadrinhando motivos, descobrindo a origem dos males; um jovem porta-se mal, chama-se o(a) menino(a) ao gabinete de psicologia; foge dos cânones, erguem-se as sombras da suspeição; é hiperactivo, sugere-se apoio e controlo – põe-se o “infractor” numa redoma e retira-se-lhe a energia que sobra; tem défice de atenção, exige-se acompanhamento; um(a) adolescente é filho de pais divorciados, cai a atenção sobre ele; tem a desdita de ambos os progenitores estarem desempregados, logo cresce a suspeita de que algo pode estar menos bem no agregado familiar; o pai é alcoólico ou viciado nos jogos da “raspadinha” e do “placard”, acendem-se as lamparinas da vigilância; o(a) menino(a) dorme mal, carece de cuidados, anda magro, alimentar-se-á mal, a família num descuido imprudente; o(a) miúdo(a) brinca, parte o vidro da porta, tem sinais de desordeiro e mal adaptado.

O apoio individualizado tende a ser uma normalidade, os alunos uns bibelôs de fancaria. Quase não há turma que não tenha alunos que suscitem atenção especial. Se as faltas são recorrentes, se as medidas adoptadas não resultam, produzem-se relatórios circunstanciados, expõe-se o caso à CPCJ, o temível tribunal. O estigma. A mancha que fica. A suspeita de que a família não está a cumprir o papel que os legisladores decidiram por bom. A nódoa que envergonha e de que a vizinhança zomba e desdenha. Antes de se ir por esse caminho, talvez a prudência de mais contenção, mais escrúpulos, mais cãs, mais vivência e menos teoria.

As visitas a casa, conferindo, confirmando, julgando. Os polícias dos “bons” costumes.  Algo não corre bem na vida do jovem, vêm, de dedo em riste e olhar vasculhador, os novos inquisidores, com as suas sentenças. E todos aceitam o veredicto.

É revoltante o modo como o Estado, as escolas se intrometem na vida das famílias, invadem a sua privacidade, alteram rotinas, ditam leis sobre o que, mesmo a coberto das normas, não devem. Mandam. Dentro de quatro paredes, sem a presença da ciência, e muitas vezes à revelia dos pais, decide-se o que fazer. Muitas vezes, o futuro. Os professores juízes, sem mandato nem procuração. Ao mínimo sinal de desvio, lá vêm os Torquemadas da educação, mostrando o caminho, corrigindo, condenando. Encaminham-se as crianças para a medicina, para a medicação, depois vem a dependência, depois os zombies anestesiados, os faz-de-conta. Só porque uns tantos, no seu critério, decidiram que sim, e, à medida do bico de uma lapiseira o atestaram.

Uma estupidez que a componente mais imbecil da democracia estimula, permite e tolera.

É inquietante a forma como todos nós aceitamos tudo isto. Há Estado a mais neste acompanhamento exaustivo. Que haja um critério mais normal, mais civilizado, em todo este processo. Estamos a tratar os meninos como uns delinquentes, e as famílias como casais de relapsos irresponsáveis.

Alguém que se revolte e faça ver ao Estado que está a ir por caminhos que não são os seus. Chega-se ao disparate de por uma bofetada – não, não se trata de violência, nem de açoites – os pais serem ouvidos, criticados, acusados. Humilhados. Só a exposição pública é por si um vexame.

O Estado a decidir da minha vida, do meu critério. A substituir-se à minha autoridade. A dizer o que tenho de fazer, sem saber as condições do meu viver. Continuamos a andar atrás dos fundamentalismos, dos extremismos, do oito e do oitenta.

É um absurdo a forma como o Estado se vai apropriando das nossas vidas, sem olhar à nossa privacidade. Pensava eu que na família de cada um, não agredindo ninguém, há pedaço de intocabilidade, um quê de sagrado. Talvez não nos apercebamos, mas estamos a criar condições para um sismo na comunidade escolar que, por linhas travessas e com réplicas, venha a recompor o tecido social.

Na nossa pacatez, somos uns tristes. Na nossa tolerância, somos um rebanho, à mercê de pastores incompetentes e descuidados. Nem a borra do pote escapa. Uns por acção, outros por omissão, ninguém escapa. Alguém, a seu tempo, terá de suster esta empregadagem.

Anda tudo doudo!

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