Os serviços municipais da Câmara de Viseu – Um retrato de instabilidade

Não há por princípio na autarquia de Viseu maus funcionários, o que pode haver é uma má gestão dos RH que leva a que alguns se escondam nesse facto. Já Camões dizia que “um fraco rei faz fraca a forte gente” (III-138) e portanto, poucos viseenses desconhecem as verdadeiras causas de os funcionários da autarquia não serem tão diligentes e profissionais como gostam de ser e são capazes de fazer!

Texto Paulo Neto Fotografia Direitos Reservados (DR)

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  • 19:31 | Sábado, 07 de Novembro de 2020
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É um lugar comum afirmar-se que os Recursos Humanos (RH) são fundamentais para o prosseguimento da missão e dos objetivos de qualquer organização, seja ela pública ou privada.

Nas Câmaras Municipais, enquanto órgãos executivos, a Gestão Estratégica dos Recursos Humanos torna-se um investimento necessário para a melhoria contínua na prestação de serviços públicos. Isso, tendo em conta que a descentralização de competências da Administração Pública Central, para as Autarquias Locais, acarreta um aumento de responsabilidades e requer maior capacidade de resposta às demandas sociais. Uma gestão da Administração Local não exige apenas uma outra racionalidade económica e passa também por uma mudança de postura na Administração Autárquica, visando um Serviço Público de qualidade com eficiência, eficácia, economicidade e flexibilidade, sendo fundamental a inovação através da criação de novas condições de interação entre a tecnologia e as dimensões sociais, económicas e culturais, tendendo a uma desburocratização dos serviços e aproximação aos cidadãos.

É ainda necessária, uma restruturação que melhor responda à satisfação das necessidades dos munícipes e ao nível operacional ou técnico, é preciso novas técnicas de gestão dos recursos, sendo que no tocante aos RH há que se olhar para os problemas relativos à motivação, avaliação, remuneração e produtividade.


Posto isto e atento ao que aqui neste jornal se adiantou em matéria de RH na autarquia viseense, é notório que o actual executivo denota uma total insensibilidade para esta área essencial na gestão e em especial ao longo do último mandato tem-se sentido uma silenciosa instabilidade na organização dos serviços municipais, com desconfiança pública e dado a queixas sistemáticas.

Ocorreram mudanças com múltiplos ajustamentos na orgânica dos serviços municipais, que já deviam ser percepcionadas nas intervenções urbanas (obras públicas) e na prontidão e rapidez das respostas, bem como no atendimento às iniciativas dos munícipes.

Mais evidente isso se torna quando é o próprio autarca a reconhecer a ineficácia de áreas como o Urbanismo e a denegrir o serviço dos seus técnicos, esquecendo até na pressa de arranjar desculpas do facto na má gestão dos seus antecessores (e não é displicente essa crítica), que a responsabilidade última é sempre de quem manda.

Não há por princípio na autarquia de Viseu maus funcionários, o que pode haver é uma má gestão dos RH que leva a que alguns se escondam nesse facto. Já Camões dizia que “um fraco rei faz fraca a forte gente” (III-138) e portanto, poucos viseenses desconhecem as verdadeiras causas de os funcionários da autarquia não serem tão diligentes e profissionais como gostam de ser e são capazes de fazer!

 

Durante o ano de 2018 e num espaço de 6 meses foram mandados publicar pela CMV em Diário da República, dois regulamentos com os respectivos organogramas de organização dos serviços que deveriam permitir o funcionamento eficiente dos departamentos (cujos responsáveis respondem perante o executivo) e das divisões (que estão sob a alçada dos anteriores).

A administração pública autárquica, rege-se sob 3 tipos de modelos organizacionais:

1. O modelo de estrutura hierárquica com várias unidades nucleares de direcções (que não se aplica neste momento à CMV) e os departamentos. Uma departamentalização fixa que tem a seu cargo, as divisões (educação, urbanismo, energia e mobilidade, etc.), sujeitas a adaptações permanentes dos serviços às necessidades de funcionamento, optimização dos recursos e a descentralização de competências.

2. O modelo matricial é constituído pelas equipas multidisciplinares (execução de diagnósticos e contactos com a população), que procuram maximizar as especializações e minimizar as fraquezas da estrutura hierárquica e…

3. Um modelo misto que resulta da junção do modelo de estrutura hierárquica (que responde perante a vereação) e o modelo matricial (que responde perante o presidente) e que está em vigor na câmara municipal.

Desconhece-se quem são os integrantes das equipas multidisciplinares (Gabinete da participação, Gabinete das freguesias, Gabinete da cidade com relação com a SRU e o Gabinete de estudos e projectos especiais) e as mais valias produzidas, sendo por demais evidente que dificilmente deixarão de ser um viveiro de partidistas a par do “focus group local” encapotado.

Ainda recentemente numa conferência presencial o “presidente de facto” se referiu a uma área funcional sob a sua coordenação como a “minha trupe da comunicação”, o que desvalorizando o depreciativo colocada no termo trupe mostra pela traição do subconsciente o entendimento que este responsável tem do serviço público que estes RH devem prestar. Não os devemos penalizar, porque cumprem ordens e se lhes dizem para promoverem a prosápia e a propaganda pessoal em vez da verdade social e da realidade colectiva, fazem isso com o mesmo empenho e rigor.

 

O modelo de estrutura hierárquica foi sujeito a desdobramentos de divisões, que no espaço de 6 meses passaram de 18 divisões para 20 divisões. Há 15 anos a esta parte e com uma população superior na câmara municipal existiram 3 departamentos e 12 divisões. Já com o mandato do “Viseu Primeiro” passaram a existir 4 departamentos com 20 divisões (algumas das mais recentes com dirigentes em regime de substituição desde 2018 até ao mês passado e sem técnicos superiores capacitados alocados como a divisão de SIG e cadastro).

Com o reforço do alcance da actuação da administração pública, foi necessário recrutar novos quadros, para preencher os cargos de direção. Estas transformações estão desde 2018, sob alçada da vice-presidente. Sendo imperioso a abertura de procedimentos concursais para provimento de cargos dirigentes, publicitados na bolsa de emprego público (e em DR de 16 de janeiro e de 26 de maio de 2020) para cargos das novas e mais antigas divisões, estes decorreram com celeridade.

Tudo isto permite corrigir diversas incongruências, como o caso de uma técnica agrónoma de formação, ter estado alocada à divisão de Urbanismo e Habitação durante 12 anos (conforme se pode verificar site oficial da CMV em RH no despacho de nomeações com as notas curriculares).

Nos resultados dos concursos verifica-se a recondução das comissões de serviço por um período de 3 anos, e a subida de posto em mobilidade interna (derivada dos concursos), o que diz muito da escassa atratividade em recrutar técnicos de direção intermédia de 2º Grau em mobilidade externa (de outras autarquias).

Mesmo aqui dá-se conta que houve algumas peripécias como o procedimento concursal para provimento do cargo de Direção Intermédia de 2.º grau — Chefe da Divisão de Desporto e Juventude com “a relação de parentesco com um dos candidatos ao presente procedimento (…) com o 2.º vogal efetivo no respetivo júri, solicitou a dispensa das suas funções no mesmo”.

Num outro procedimento concursal, quase parece ser feito à medida do nomeado, em que se exigiu a habilitação literária errada ao invés de ser a Licenciatura em Engenharia Geoespacial ou Geográfica para a divisão de SIG Cadastro e Solos.

Salvo melhor opinião, os concursos de recrutamento são essencialmente para ocupar lugares vagos por quem concorreu para as direcções intermédias. Por exemplo para arquitectos que saíram para a Divisão de apoio ao investimento e vagos durante 2 anos, o reforço de pessoal técnico superior e operacional só aconteceu em Setembro e Outubro deste ano, numa selecção que durou mais de um ano (iniciou-se a 15 de julho 2019).

 

Mas o pior ainda pode estar para vir (com a desculpa da descentralização de competências) com outra organização dos serviços e com uma nova orgânica, em que se adiciona mais equipas multidisciplinares e a novidade das Direcções Intermédias que podem muito ser de nomeação partidária ou de subida de carreira. Estas Direcções Intermédias são tão só uma nova hierarquia colocada acima dos departamentos o que na prática significa engrossar ainda mais o quadro de pessoal que soma já 1089 pessoas e de despesa corrente com salários. Do quadro orgânico de 2005 de 700 efectivos para o actual a média de ingressos na autarquia foi de 20 funcionários por ano, razão pela qual se compreende que ainda recentemente o “presidente de nome” tenha assumido que um dos seus vereadores tinha 200 pessoas à sua responsabilidade e isto só na área da cultura.

Agora comparem com o número de operários nas obras municipais ou de jardineiros no ambiente e facilmente perceberão que o triângulo dos RH está invertido, já são mais os “chefes que os índios”.

Percebe-se assim que existam cada vez mais serviços externos contratualizados porque os jardins não se mantêm por si só e os buracos nas ruas das freguesias ou a desgraçada política de corte de árvores também não se resolve sem mão de obra. Assim, alimenta-se o quadro orgânico com o séquito de seguidores partidários e as empresas dos amigos criando emprego, o que resulta sempre bem ainda que isso pese no orçamento.

Basta uma olhadela rápida nas contas de 2017 a 2019 para percepcionar que a remuneração das direcções intermédias consomem por ano cerca de 800 mil euros em salários e que as despesas com o pessoal passaram de 11, 947 milhões para 15, 220 milhões, ou seja, um aumento sem retorno visível para o munícipe de 3.223 milhões de euros.

Com os rumores de café, provavelmente fomentados a partir do interior, o que é sintoma de conflitos latentes nos RH, de que nem todos ganham por igual na mesma categoria profissional, que há desde benesses de rendas de casa paga, a subsídios de combustível e prémios extra, não é de estranhar que o efeito disto se faça sentir na omissão ou na má prestação de serviço ao munícipe e ao concelho.

Só faltava agora existirem directores de serviço a dirigir um único director de departamento que nem sequer exista, ou chefes de divisão que sejam promovidos a directores de departamento deixando a vaga para mais uma chefia de divisão, ou que no limite existam chefias que apenas são chefes do próprio ou própria!

Isto nos RH manda quem pode e obedece quem deve, até porque no final do mês o vencimento está certo… quem paga é o contribuinte!

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