Os novos cursos de medicina

Os beneficiários líquidos destes profissionais são os hospitais privados, que, à custa dos milhões, provenientes dos serviços que prestam, podem melhorar as remunerações da mão-de-obra qualificada, apesar de não terem investido um cêntimo na sua formação, nem terem arriscado um vintém no seu sucesso.

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  • 11:54 | Segunda-feira, 19 de Agosto de 2024
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Desconheço se é genético, resultado da convivência ou produto do aprendizado, mas o português é um povo estranho e ao mesmo tempo curioso. Nas reacções que tem e nas prioridades que estabelece.

Na escassez, afunda-se em lamúrias carpideiras, no anúncio de farturas, foge e desdenha. Nas faltas, zaragateia, nas promessas de abundâncias, mexe-se para que sejam utopias.

Quando o presente lhe foge, deprime, afogado em ansiolíticos, quando se antevê a solução dos males, descrê e complica. Tal é o contraste nas reacções, que até o bom senso se ofende, contraído num esgar de dor.


Luís Montenegro, despindo o fato de banho, interrompeu o veraneio, vestiu camisa cor-de-rosa, subiu ao palco e do palanque botou faladura, num cenário que se repete e junta a fina flor laranjinha, dos figurões jurássicos, que rejuvenecidos e bronzeados, insistem nos tons garridos e no gel, aos rebentos da jota, formatados na universidade de verão, desvirginados das inocências balsâmicas.

E, agitando as águas quentes, anunciou a criação de mais dois cursos de medicina, em Évora e Vila Real. Perante o caos na saúde, a gritante falta de médicos no SNS e a crise nas urgências, e mesmo dando como bom o argumento de que só daqui a 15 anos, a medida terá impacto, a novidade peca por tardia, e, calculava eu, iria merecer o aplauso de todos, numa unanimidade nacional.

Pois logo a Ordem dos Médicos se enxofrou, avançando com reticências, colocando “mas” e “porém”, pondo travão no entusiasmo, refreando ânimos. A Ordem, corporativa como as demais, vive dos interesses instalados e de ideias cristalizadas, dela se esperando apenas a defesa da classe, mesmo que a narrativa não tenha ponta por onde se lhe pegue. E não se contendo no ridículo, veio classificar a medida de “populista e irrealista” e considerar que há “médicos suficientes”, mas “estão fora do SNS”.

Não tendo eu números que possam contrariar a categórica afirmação, sobram-me razões, enquanto cidadão e utente do SNS, para desafiar o bastonário, o finório e luzidio Miguel Cortes, a pronunciar-se sobre as razões do afastamento dos clínicos e sobre as soluções para o evitar, que ele, tão pujante e assertivo na crítica, decerto conhecerá.

Talvez que a sua fundamentada opinião seja um poderoso contributo, quiçá decisivo, para que tenha fim este verdadeiro escândalo nacional, que incomoda até os menos sensíveis e os recorrentes em raciocínios obtusos:

1. Apesar do aumento do número de médicos, há cada vez menos profissionais a trabalhar no SNS;

2.  Apesar de os médicos fazerem toda a sua formação em universidades e hospitais públicos, financiados com o dinheiro dos contribuintes, assim que podem, e livremente, desandam para os particulares;

3. Os beneficiários líquidos destes profissionais são os hospitais privados, que, à custa dos milhões, provenientes dos serviços que prestam, podem melhorar as remunerações da mão-de-obra qualificada, apesar de não terem investido um cêntimo na sua formação, nem terem arriscado um vintém no seu sucesso.

Confesso que para o problema, não vislumbro saída pacífica e redentora – porventura impor um período de fixação obrigatória, não exclusiva, no SNS, findo o internato médico – apenas sei que na sua essência ele se apresenta desnatural, injusto e imoral.

Daí a minha expectativa nas novas que a Ordem terá em mãos, não dispensando, por tão útil que será, a douta visão do desaparecido deputado Miguel Guimarães, antes tão irado e activo, ácido e azedo, a esquartejar os ministros socialistas, e agora por certo com um pé no estribo, espreitando a queda iminente de Ana Paula Martins, actual titular da pasta.

Por bem menos, tombou Marta Temido, vítima dos tiros de zagalote, disparados pela espingardaria da Ordem e dos sindicatos, juntos em franca harmonia de propósitos luminosos e na irmandade de cruéis julgamentos .

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Publicado em Opinião