Nunca deito fora um livro. Uma ou duas vezes que tentei, não consegui. A voz da razão susteve o gesto. Os que não gosto ou tenho repetidos, deixo-os esquecidos na mesa do café ou, outrora, na sala de professores. Sempre podem ser interessantes para alguém. Também por isso, tenho uma biblioteca simpática, dos clássicos aos modernos, da banda desenhada ao teatro, da prosa à poesia, da política à economia. E biografias. Muitas.
Retenho um, que comprei em 1977, já lá vão 43 anos, “Os Miseráveis“, de Víctor Hugo. O livro, em 2 volumes, retrata a vida política e social francesa, no século XIX, descreve a vida dos pobres de Paris, descreve a desigualdade social e a miséria, em contraponto com o trabalho e o empreendedorismo, e aborda a relação conflitual dos cidadãos com o Estado e os dilemas morais destes.
Na sua essência, nos princípios, na tabela de valores, continua actual, transpostas a distância dos séculos e as fronteiras e esquecida a geografia. O que mudou é o perfil.
Hoje, nas nomenclaturas, discutindo engenharias financeiras e encontrando alçapões nas leis, muitos dos verdadeiros miseráveis são os notáveis. Normalmente intratáveis. Insuportáveis.