Durante a guerra, Estaline não tivera tempo de vigiar a literatura, as artes plásticas e a música da União Soviética. Depois, com Zhdanov ao, resolveu erradicar os estrangeirismos, deter a degenerescência, corrigir os costumes, atacar, enfim, o modernismo, o formalismo e o cosmopolitismo. A ofensiva cultural foi lançada em 18 de Abril de 1946. Os jornais vacilaram com o que haviam publicado e agora se tornara inaceitável. Chostakovitch tremeu: as suas peças pareciam um erro perigoso. Recebeu de Zhdanov uma lição sobre a música que devia compor. Os actores, antes orgulhosos dos sucessos em Paris, sentiram que isso os comprometia. «Esses franceses, não valem a sola dos nossos sapatos», terá dito Estaline. «Não há nada mais importante do que o teatro russo.»
O desprezo ideológico pelo estrangeiro tinha um avesso espetacular: a pilhagem de obras de arte e objetos de luxo na Europa e a sua incorporação nas mansões dos políticos e militares. A casa do general Zhukov era um museu, com tantos quadros que alguns ornavam as paredes da cozinha e um, com duas mulheres nuas, estava no tecto do seu quarto, sobre a cama. O roubo sistemático, que tão facilmente se associa a Goring, aplica-se, e até com mais proveito, aos líderes da União Soviética. Os bolcheviques, tão puros, passeavam-se em carros desportivos italianos, guardavam grandes quantidades de roupa interior feminina, enviavam para o Gulag as mulheres que não se deixavam seduzir, surripiavam porcelanas, relógios e pianos e amorteciam os passos em tapetes persas. As esposas folheavam a Harper’s Magazine e a Vogue. E tudo Estaline supervisionava. Aliás, ofereceu a Zhdanov dois automóveis Packard, um dos quais blindado. Simon Sebag Montefiore fala de um padrão de «corrupção, deboche e leviandade».
Se Mahatma Gandhi tivesse conhecido este mundo sinistro, poderia ter continuado a dizer as suas frases perfeitas? Quatro dias antes da ofensiva de repressão cultural desencadeada por Zhdanov e Estaline, o jornal Harijan publicou uma entrevista na qual Ghandi afirmava: «Aquele que procura realmente a verdade nunca deve partir do pressuposto de que as opiniões do seu adversário não são dignas de confiança.» E se for inimigo? E se o inimigo estiver tomado pelo desvairamento do mal, do poder ou do luxo?