Os brasileiros
Já tinha sido avisado mas, como S. Tomé, só vendo! Um dia destes tive que ir ao Porto, e, como qualquer parolo que se preze, não resisti a entrar no Corte Inglês em Gaia, que é, como se sabe, a terra onde o LFM exercia o cargo de Presidente da Câmara
Já tinha sido avisado mas, como S. Tomé, só vendo!
Um dia destes tive que ir ao Porto, e, como qualquer parolo que se preze, não resisti a entrar no Corte Inglês em Gaia, que é, como se sabe, a terra onde o LFM exercia o cargo de Presidente da Câmara, digo exercia, porque nunca lá aparecia e administrava aquilo pelo telemóvel, continuando aqueles bacocos a pagar-lhe o ordenado.
Voltando à história.
Dizia eu, que embora avisado, não acreditara. E em quê? Que estávamos a ser invadidos por brasileiros…ros, não, ras!
A ideia que eu faço dos brasileiros não é, forçosamente a mesma que faço das brasileiras. Por motivos óbvios, elas dão muito mais serventia e animam muito mais. Eles, pelo menos os que para aqui emigram à procura da sorte (pois que trabalho encontram pouco), sempre me deixaram a impressão de serem aqueles tipos moles, com poucas habilitações, habituados a fazer muito pouco ou nada, originários das grandes metrópoles e do Nordeste, sobrevivendo de expedientes e derretendo à sombra da bananeira com um “suco de coco” a refrescar as goelas, olhando descaradamente para as mulatinhas que enxameiam as favelas e os bairros periféricos, e, pobres de morrer. Mas devo andar enganado.
Acontece que parei para avaramente deitar uns poucos litros de gasolina no meu velho companheiro de há 20 anos. O mínimo para a viagem, porque, quase 270$00 o litro, custam a dar. Quem me atende?
– Ói, siô! Dá normau ou dá especiau? – disse a cantar um brasuca de boina verde.
– 20 litros da normal.
– Tudo bem, siô!
A minha prima Carminda, que me acompanhava, de rosário na mão (o que é habitual quando as viagens têm mais de 30 quilómetros) e ainda não se tinha calado com a conversa sobre a nova igreja de Fátima, olhou de soslaio, deixou que os olhos mostrassem um brilho fugaz não habitual nela, disse entre dentes e baixinho:
– Não está mal, o pretito!
– Hã? – eu queria que ela repetisse, mas, apanhada em pecado, corrigiu o tiro.
– Nada! Estava cá a pensar numa coisa. Será que à vinda dá para passar por Fátima?
Nem respondi. Com mais 20 quilos de bagagem no depósito, lá fui. A25, A1, Vila Nova de Gaia, à direita, parque de estacionamento e uma voz:
– Bom dia, siô! Qué lavá o automóveu?
Que não e andei com a minha prima Carminda a olhar para trás.
Aquela porra do Corte Inglês é mesmo grande. À espanhola!
Logo à saída do elevador um par com bom aspecto, diga-se, ele de fato e ela de saia e casaco, dirigiu-se-nos e lá veio outra vez a cantata.
Ela: – Bom dia siô! Posso incomodá um pouquinho?
Ele: – Como vai a sinhora? Posso lhe roubá uns minutinho só?
Ela: – Posso lhe mostrá uma cadeira medicinau, que átravéis da vibráção lhi vai dá discanço e lhi vai relaxá o corpo?
Ele: – À sinhora pode sentá? Vou-lhe dá uma massage com esti aparelho nas costa e no piscoço e vai lhe relaxá o corpo todo o dia? Podi sê?
A minha prima Carminda estava corada e ofegante. Deixava que o fato com um brasileiro lá dentro lhe pegasse na mão e lá ia ela, como uma andorinha cor-de-rosa, a voar atrás dele.
Eu lá me desembaracei como pude, e, a brasileirita, lá foi cantar para outro passante.
– Carminda! Vamos lá! Paramos à volta! Agora não temos tempo. Vamos! Eu bem queria tirá-la dali, mas ela, moita, nem me ouvia. Comecei a ficar preocupado porque nunca a vira assim. O rosário, que trazia sempre na mão, como os muçulmanos, jazia no fundo do bolso do casaco bem tapado com o lenço de assoar, não fosse perdê-lo, acho eu.
– Ó primo, então, é só um minutinho. É para ver se me passa a dor de costas da viagem. E não se paga nada, sabe?
Que mel teria aquele gajo que era ela agora quem lhe agarrava a patorra e o arrastava para a cadeira, estrategicamente colocada no meio do corredor?
– Ai primo, que pressa! Credo!
E pronto, lá se sentou com aquele tipo, todo mesuras, a fazer-lhe cócegas, durante 10 minutos, no pescoço, na nuca, nas costas, na nuca, nas costas, na nuca e por aí fora.
E ela arfava, arfava!
Arrancá-la dali, foi o cabo dos trabalhos.
Nas duas horas que lá passei, comprei umas meias e um aftershave. A minha prima Carminda não comprou puto mas andou o tempo todo:
– Ai primo, que bem que me sinto! Que mãos as do rapaz! Se aquilo não fosse tão caro! Que dinheirão que eles pedem! Minha Nossa Senhora! Mas que mãos, que mãos! É um artista!
Para sairmos, fiz tudo, e consegui, para não passarmos no “mãozinhas abençoadas”.
À vinda, sem o passa-contas do rosário e já esquecida da ida a Fátima, ainda teve a lata de dizer entre dois suspiros:
– Primo, ainda bem que estes pobres dos brasileiros falam a nossa língua. Se assim não fosse, coitadinhos, como é que nos iam entender? E, digo-te, aquele pobre moço, tinha cá umas mãos! Um verdadeiro artista, é o que é! …Voltas ao Porto, quando?