“A retórica oficial pode empilhar os cobertores da realidade, há sempre um momento em que as palavras lhe resistem e a obrigam a revelar, por debaixo do mito, a alternativa da mentira ou da verdade…”
RB in “Mitologias”.
O primeiro-ministro Luís Montenegro instituiu a táctica do silêncio para evitar responder a perguntas incómodas, para não abrir espaço para polémicas, para não se descair em afirmações comprometedoras e facilmente descontextualizáveis, para se resguardar daquilo para o qual não tem resposta. Se o fez consigo próprio determinou-o também como praxis dos seus pares.
Com menos de seis meses de governo, eleito pelas muitas promessas feitas, na impossibilidade real da sua concretização, o silêncio transforma-se na mais hábil forma de comunicar. Sim, porque subjacente a esse silêncio há um metatexto, aquele que a realidade impõe, em temos reivindicativos, económicos e sociais que acaba por determinar a calada sensatez, a arteirice espertalhona ou a propositada afonia.
Ademais, Montenegro, esquivando-se reiteradamente a responder às questões que lhe são colocadas, escuda-se numa retórica do vazio, chocarreira, por vezes cínica, outras sustentadas em verdades de La Palice, ou “lapalissades” por demais evidentes para serem negadas, postas em causa ou contestadas, possuindo geralmente um carácter humorístico e até expressa e astuciosamente “naïf”.
Montenegro, que é agora acompanhado nas suas idas à “rua” pelo presidente da República, feito mestre de cerimónias ou mordomo de eventos, atrás do primeiro-ministro, falando quando este o permite e assazmente interrompido nas suas fáticas intervenções, que pretendem ser sustentatórias das atitudes e retórica daquele.
Uma estranha parelha, uma espécie de Dupont & Dupond em “As Aventuras de Tintim”, do belga Hergé, indissociáveis, parecidos, partilhando análogos traços de carácter e de ideologia. Falta-lhes o chapéu de coco negro, mas abunda a arte de se cobrirem de ridículo. Se Montenegro faz uma cuidadosa afirmação, Marcelo poderia bem continuar dizendo “Eu diria mais…”, enfatizando a sua inutilidade neste redizer menos correcto daquilo que o outro proferiu.
Uma dupla que se complementa, fazendo-nos também lembrar “O Senhor Contente e o Senhor Feliz” e as suas hilariantes rábulas tão sabiamente protagonizadas por Nicolau Breyner e Herman José.
No fundo, uma paródia* trazida ao palco da claudicante política nacional, no fio da navalha em fuga para diante.
* Ode cantada a par