Num ano em que, tradicionalmente, pelo aproximar das autárquicas, tanto se fala de obra feita, o que é a obra feita? O betão edificado a ascender aos céus, o alcatrão espraiado em voltas e mais voltas de rotundas, o investimento em projetos, planos e planeamentos que muitas vezes não se chegam a concretizar no plano material?
A obra é tão mais feita quanto mais visível for, mais megalómana, mais imperiosa, quanto mais se destaca na paisagem, normalmente mais por forma e feitio, do que por utilidade e eficiência. Por norma, esta obra feita tem tendência à obsolescência, a ser abandonada ou repensada, a perder-se com o tempo.
Não é a obra feita que perdura. O que fica é a cultura. Mas calma! A cultura a que me refiro não são as festas, os foguetes e fogo de artifício, ou o evento que tem como público alvo o turismo – isso também não fica!
O que fica é a cultura estruturada e regular, pensada para o desenvolvimento das gentes, para o crescimento das crianças, para o enriquecimento da vida das pessoas que estão cá. O que fica é o filme que consigo ir ver todas as semanas, o livro que consegui encontrar na biblioteca, a articulação do ensino artístico, o projeto de teatro que não esquece que também há quem viva nas aldeias.
Sem a cultura pensada para as pessoas, que entra nas pessoas e as faz pensar, transforma, liberta; sem a cultura regular, embora mais invisível, de cidades, vilas, aldeias – concelhos efetivamente ativos e vanguardistas; sem políticas pensadas para quem está cá, e não para quem pode cá vir, de passagem, nada mais perdura.
A cultura é o que permite a identidade, individual e coletiva, é o que permite a pertença, é fator determinante para uma vida realmente de qualidade – sem isto, nada fica, nada é símbolo de nada.
Por tudo isto, e aquilo que ainda fica por dizer, a cultura deve ser prioridade e alvo de investimento, deve sair das gavetas do fundo e deve ser vista como é: não apenas através de deturpações ao serviço de outros interesses, como o turismo ou o marketing territorial.
Os monstros de betão despidos de sentido são esquecidos e desaparecem em pó e a cultura permanece. A festa é um momento fugaz rapidamente esquecido, mas a cultura permanece, na tradição, na memória, na história, no património imaterial ou materializado. O tempo diz e mostra o que realmente importa na nossa condição efémera de pessoas, mas intemporal de humanidade. Esta é a importância da cultura: toda!