O trilho que estamos a perseguir pode levar à escolha, pelos portugueses, de um Presidente da República que terá pouca simpatia pelos grandes valores que o PS sempre defendeu.
Ao saírem da cartola tantos nomes, que já quase permitem a constituição de uma equipa de futsal, o centro-esquerda entretém-se com os umbigos (e com os amigos) e esquece o essencial.
Não nego a minha simpatia por alguns dos nomes que continuam na praça pública, mas nenhum ganha a eleição. Desbaratámos a possibilidade de podermos ter alguns deles na presidência, porque a escolha do mais Alto Magistrado da Nação obriga a ter mais um voto do que o segundo candidato em sufrágio universal. É exatamente por isso que me revelo, há muito, contra a eleição direta que os construtores da Constituição da República inventaram, criando um sistema atípico e pouco usado no Ocidente.
Olho para o reaparecimento político de António José Seguro e vejo-o com gosto. Seguro, como em algumas ocasiões aqui escrevi, nunca devia ter sido ostracizado pelo costismo, nem ele devia ter amuado depois das diretas de 2014.
Seguro poderá vir a ser uma figura relevante na construção de uma alternativa ao atual governo, ninguém como ele pode exercer, com vantagem, o lugar de Presidente da Assembleia da República. É por isso que fico bastante triste com o facto de alguns dos seus mais próximos (e também alguns dos seus inimigos, pelos ataques inaceitáveis que lhe têm feito) o estarem a empurrar para um caminho com nenhuma possibilidade de sucesso. Ninguém, depois de perder uma eleição presidencial por muitos, pode aspirar a voltar a ter um papel relevante no PS se o partir. Talvez importe ponderar que, ao dia de hoje, ainda há uma linha de contactos, presente no território, de intimidade com Seguro, mas há as novas linhas de Pedro Nuno Santos, de Duarte Cordeiro (em tudo iguais e em tudo diferentes) e de Ana Catarina Mendes, sem contar com as várias solidariedades que se foram construindo, ao longo das duas últimas décadas, na JS e nas autarquias e que não têm (ou têm pouca) qualquer identificação com o antigo líder do PS.
Não sei se Nóvoa ponderará voltar a um combate desta natureza, espero que não, mas o que sei é que estes movimentos estreitam as possibilidades de uma solução ganhadora no espaço da esquerda democrática.
Também ouço, no universo da direção atual do PS, argumentos vários que vão no sentido de aconselhar a “unidade” à esquerda. Não seria uma unidade total, porque o PCP já decidiu a apresentação de uma candidatura. E vão a 1996 para justificar a possibilidade de uma vitória.
Jorge Sampaio, na altura Presidente da Câmara de Lisboa, sempre simbolizou a parte mais à esquerda do PS. Os seus muitos amigos sempre tiveram vínculos com a outra esquerda urbana que não tinha entrado no PS. Mas o que deu a primeira vitória a Sampaio tem ligação com dois factos indesmentíveis: 1º o seu adversário era Cavaco Silva que tinha saído mal do Governo depois de uma década; 2º o PS tinha ganho as eleições meses antes e essa embalagem foi determinante. Cavaco teve, mesmo assim, 46% dos votos e o país dividiu-se, mais uma vez, entre norte e sul. Nos dias de hoje até já o sul deixou de ser vermelho e passou a ser, em parte, da cor negra do neossalazarismo.
Temos, porém, um outro período de eleição presidencial que mais se assemelha aos tempos correntes – as eleições de 1986.
Nessas, houve três candidatos que agruparam os militantes da esquerda: Maria de Lurdes Pintassilgo, Salgado Zenha e Mário Soares.
Mário Soares, o grande político que conhecia os portugueses como a si próprio, sabia duas coisas: 1ª que precisava de ter a estrutura do PS com ele, e teve; 2ª que tinha de comer o centro para chegar à segunda volta e, aí sim, ganhar as eleições.
Neste jogo, e depois de todas as notícias dos últimos meses, só António Vitorino terá condições para uma eleição na segunda volta.
Vitorino tem a vantagem de ter estado fora no tempo dos dois últimos governos do PS, mas também tem a desvantagem de se confirmar, pelas sondagens, que é uma personalidade distante. Haverá muito trabalho pela frente, mas ele sabe fazê-lo.
Por agora, ninguém ouviu nada de António Vitorino. A avançar, o PS não pode deixar de lhe dar o apoio, por tudo o que simboliza e pela autoridade que sempre revelou.
A não existir Vitorino, a esquerda democrática é afastada da contenda a um ano de distância. Que seja o que Deus quiser.
Ascenso Simões
Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional