Qual o português, o “tuga” genuíno, puro e limpo, com o ADN dos celtiberos a escorrer-lhe nas veias, que não tenha atalhado caminhos e recorrido, por uma vez, ao longo da sua vida, ao expediente do pistolão? Para si mesmo ou para um amigo de escola, para um emprego para o filho, para uma avaliação de desempenho, para um empréstimo bancário, para uma listinha partidária, para extrair o dente do siso, para uma cirurgia urgente, para meter empenho por um “afilhado”? Nenhum!
Tendo-me por sério, não integro essa imaginária irmandade de castos e ingénuos. Não vivo num mundo irreal, e ainda bem.
A cunha, o manguito e a inveja caminham a par e de mãos dadas na simbologia da nossa identidade colectiva. Deixemo-nos, então, de virgindades tolas. Terá sido o primeiro o imperdoável pecado que Daniela Martins cometeu: a influência, o encosto, o jeitinho.
Quem carrega um filho 9 meses na barriga vira o mundo do avesso para o ver bem, e erros desses são argueiros nos olhos de qualquer mãe extremosa que se orgulha de o ser. Ninguém como ela protege as suas crias. Sobre a senhora e os seus maternais fazeres, estamos conversados.
O mesmo não direi da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), constituída para, em sede política, apurar tratamentos de favor e ofensas à ética republicana. Pelo andar da carruagem, i.é., das audições, tenho dúvidas de que o que mais interesse aos ilustres deputados seja o apuramento da verdade.
Não curam de saber quem mais ficou para trás, quais os critérios de prioridade, quem consultou as gémeas, em quanto ficaram os tratamentos com o tão caro “Zolgensma”. Para tão ocupadas cabeças, esses detalhes são minudências, questões de intendência que não cabem nas suas densas preocupações.
O objectivo final implicar Marcelo e Costa no suposto processo de interesses, atingi-los, descredibilizá-los, apoucá-los, exibir as suas falhas, magoando o regime no seu coração. O fim último é pôr estilhas na fogueira e lama na ventoinha, tentando que os ventos virem tespestade e esta não acalme. O que pretendem é apenas apear o PR e enfeitar de pedras o caminho de Costa até Bruxelas. O que ambicionam é expor na praça pública os vasos comunicantes que, nas trevas, ligam o público e o privado, é colher dividendos eleitorais, se esse sonho insano se tornar realidade. Eles e elas, num bailado tirolês, não querem a verdade, querem sangue, não querem que se faça luz, querem combate, não querem justiça, querem vingança. Mas então que o façam, confrontando com propriedade e directamente os seus alvos, e não atacando o elo mais fraco de uma cadeia até agora indecifrada, que carrega a dor, e a quem basta o sofrimento.
E, qual esclerosado tribunal do Santo Ofício, fê-lo impiedosamente, sem escrúpulos, sem um pingo de sensibilidade, sem uma réstia de tolerância. Mesmo diminuída e constrangida, tratada como uma criminosa, a mãe suportou o massacre desumano e enfrentou como pôde e soube o grupelho de inquisidores e carrascos, que exibiu instintos pidescos e maneiras cavernícolas.
Educada e decente, a mãe das meninas, cidadãs portuguesas, com todos os sentidos embebidos no manto da Paixão, não aguentou o pranto algumas vezes ao logo das 5 exasperantes horas de perguntas, imbecis lições de moral, parvas suspeições e tontos juízos de valor.
E se, entretanto, aos notários da moral não lhes der para um oportuno pedido de desculpas públicas, que se cubram com mantilhas negras, o preto da vergonha pela reles figura que fizeram, abusando da santa impunidade que os beneficia e que, com a plácida benevolência de todos, vai acompanhando as suas diabruras pueris, às vezes indecentes e malcriadas.
Daniela não tem de aturar gente sem méritos, febril e assanhada, que usa um funil largo para o que lhe convém e um infundíbulo estreito para o que lhe interessa.