O Papa Francisco e a desmemória

Quando as notícias vierem dizer que o Francisco já não sabe quem é, tenhamos a fortuna de lho dizer e de o dizer a toda a gente e para sempre.

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  • 14:32 | Sábado, 27 de Junho de 2020
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O Papa Francisco está a perder a memória e não vai lembrar-se nunca mais de que é um homem sagrado.

Morrerá anónimo para si mesmo, indiferente ao mundo e ao quanto ajudou cada um de nós. Vai desconhecer como foi perseverante, como conquistou a lucidez, não vai saber da sua inteligência superior ou da magnitude da sua beleza.

Passei de olhos no jardim do chão, a fazer de conta que o jardim se levantava e que punha o mundo bonito para que a minha tristeza fosse acudida pela sensibilidade que nos inspiram as coisas bonitas, as coisas vivas. Queria que a vida aparente fosse efectiva. Que a vida se inventasse por um desenho, se criasse pela semelhança. Somos todos ainda feitos dos mais absurdos preconceitos. Ainda vamos na primária quanto ao respeito e à aceitação. Somos horríveis para as diferenças, os diferentes, sem entendermos que para sermos iguais disfarçamos tudo, para parecermos iguais, somos contra os gordos e os feios, os sensíveis e as mulheres, somos contra os pretos, os amarelos e os vermelhos, os de olhos em bico, os morenos, os muito brancos, as loiras, as crianças, os funcionários do McDonalds. Somos contra toda a gente. Metemos nojo.


Eu queria ser merecedora do Papa. Queria que, se algum dia me tivesse visto, pudesse achar-me imperfeita sem tragédia. Apenas imperfeita e muita vontade de chegar onde ele chegou: ao lugar puro de sentir, de pensar. O lugar puro de se ser.

Quem se objectiva por menos, pensa mal da oportunidade de viver. Quando as notícias vierem dizer que o Francisco já não sabe quem é, tenhamos a fortuna de lho dizer e de o dizer a toda a gente e para sempre. Quem não tiver a fortuna de saber acerca do Papa Francisco anda vazio dos bolsos da alma. Tem muito menos hipóteses de se engrandecer à altura da incrível ocasião de existir. Penso assim, que são homens como ele que apontam o quanto é incrível existir. O resto pode ser apenas aparente. Uma casa de flores falsas e gente perdida para dentro da sua própria carapaça.

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