Em 1946, o convento gótico de Santa Clara-a-Velha, abandonado no século XVII e destruído pelas inundações do rio Mondego, pela usura do tempo e pelas transformações do uso, era uma ruína inquietante.
Cinquenta anos antes, um historiador de arte narrou a sua exploração de barco sob as abóbadas nervuradas.
Em 9 de Novembro, Belisário Pimenta e Lourenço Chaves de Almeida também lá foram, não sei porquê, nem para quê, nem como. Belisário Pimenta considerou «extraordinário o que ali se vê e ainda o que se não vê, encoberto pelo lodo e pelas águas!» Diz ter sido uma visita que não se esquece e da qual saiu «um tanto ou quanto amodorrado».
«À saída,» escreveu no diário, «a luz do sol, coada pelo oiro velho dos plátanos, deu nova sensação estranha – também indefinível pelo contraste. E à noite, ainda debaixo da influência de tão grandes impressões, o aparelho de rádio lançou-me aos ouvidos o discurso de Salazar…»
Até este ponto, ainda hesitava nas impressões de Belisário Pimenta. Ficara amodorrado pelo pavor das águas estagnadas? Pela tristeza de uma notável obra que desaparecia? E Salazar, o que lhe provocou depois disso?
«Que diferença, ó Deuses imortais! A miserável política, a subtil ronha jesuítica do tenebroso chefe, sujando a alta e clara emoção de Arte.”
«Que vida esta… que para um prazer há sempre ou um desgosto ou uma impressão de nojo!»
Sobre Salazar, as ideias de Belisário Pimenta nunca divergem.
(Foto DR)