Começou cedo o jogo dos números, ainda não se anunciam as trovoadas de Maio.
Sentado nos cadeirões estofados, nenhum político escapa à tentação de iludir os eleitores e à vã cobiça de lhes comer as papas na cabeça, reduzindo-os a meros figurantes de um enredo que, inocentemente, ajudaram a montar. Revezam-se na pantominice e descobrem sempre escapatórias para as asneiras que cometem. Impunes, entram numa fímbria, e por aí ficam, diletantes, distantes, surdos à vozearia que haverá de os consumir numa chama febril. Contando com a benevolência de um povo que se baptizou de brandos costumes para tapar vergonhas, são iguais na forma como se socorrem de expedientes gastos e sacodem responsabilidades na hora de serem chamados a contas.
Montenegro, antes beijoqueiro e amável, ainda mal se afeiçoou ao cargo, e já se turva na água choca. Como um reles aprendiz de meia tingela, preso aos enganos por si mesmo engendrados, quis vender-nos gato por lebre.Torpe e impuro, acenou com os números redondos, dos 1.500 mil milhões de euros de ganhos no IRS, em 2024.
Obra da AD, só uns magros 300 milhões, um benefício de 50 €/ano, 4€/ mês, por contribuinte. E é este o choque fiscal prometido pelas elites que hoje têm a honra e o privilégio de tomar conta dos nossos destinos colectivos, vilipendiando créditosce ofendendo memórias.
Montenegro, no mínimo, assim que a dúvida se colocou devia ter contrariado a ambiguidade que as suas promessas geraram, mas, sentado no apeadeiro, sem pudor deixou que ela medrasse, sabendo que podiam resultar em ganhos a seu favor. Só desmascarado, recuou. Seduzido pelo poder, caiu na esparrela que, ano após ano, mancha todos os que se sentam à mesa do orçamento: julgando-se acima dos demais, ungido pelos óleos de uma sabedoria e de uma inteligência que ainda nenhum notário autenticou nem fez lavrar em documento oficial, jogou com as palavras, construiu artifícios, criou ilusões, cavalgou o gáudio dos contribuintes e, só acossado, desembainhou o sabre cortante, golpeando-lhe, friamente, as expectativas que ele com vileza lhes criou.
E, emboscado num comunicado escrito, que fez distribuir pelas redacções, atirou, sem piedade, dizendo que não tinha responsabilidades no mau entendimento que os portugueses fizeram das suas promessas. Insinuando que os burros somos todos nós. É preciso topete, atrevimento, descaramento.
Seduzido pelo circo que o fanfarrónico Chega habilmente montou, com a cobertura oblíqua de muita comunicação social, prometeu tudo a todos, esquecendo que prestes chegaria a hora de todos se chegarem à frente, exigindo tudo. É então a hora de mostrar o que o distingue nas comparações. Sem manobras, com verdade, mesmo que doa e não agrade.
Entretanto, alguém que explique ao distinto PM que vivemos no tempo das palavras e da comunicação, sem cevos. Escorreitas, de preferência.