Como dizia atrás, Eça de Queirós imaginou o seu Zé Fernandes, num derradeiro regresso a Paris, a vituperar as bicicletas e os ciclistas. A realidade do escritor era diversa. No final do século XIX, recebia em sua casa, na Avenue du Roule, o ministro conde Sousa Rosa, perfeitamente lembrado pela filha mais velha de Eça de Queirós passados cinquenta anos. Nas suas palavras, Sousa Rosa «aparecia constantemente, elegantíssimo, fosse de bela peliça e chapéu alto, fosse de fato claro, lapela florida, canotier – e de bicicleta!»
Não se pode tocar na obra de um grande escritor sem que dela brotem mil interpretações possíveis e contraditórias. Enquanto Zé Fernandes recriminava as bicicletas, elas entravam gloriosamente em casa de Eça de Queirós. Meti-me no Dicionário de Eça de Queirós para resolver este paradoxo, e trouxe de lá um excerto da carta enviada à condessa de Sabugosa, em 14 de Janeiro de 1897.
Eça de Queirós apresenta-se desencantado com Paris, cada vez mais fabril, mais escura, menos intelectual, mais desgraciosa e grosseira. «Nas ruas», queixa-se, «não se vêem senão homens, de camisola de malha e mulheres de calções, pedalando furiosamente em velocípedes». E prossegue da maneira que se lê em A Cidade e as Serras: «as carruagens já não têm cavalos, são todas automobiles, fazem um barulho horrendo e deitam um cheiro abominável a petróleo».
Estas impressões são próprias de um homem nascido em 1845. Os jovens viam elegância na bicicleta e no automóvel, animavam-se com a velocidade, só não admitiam a competição desportiva brutal, destituída de cavalheirismo.