Pedro Nuno Santos, a meio do percurso de vida, tem uma história para contar. História cheia de sucessos e de alguns insucessos, caminho feito com cada vez mais agregação à realidade do país e às nossas obrigações no mundo
Eu saí da Juventude Socialista em janeiro de 1994. Terminava um longo período de militância que tinha começado em 1978 e que no norte transmontano era marcado pelo esmagamento do PS. Na JS passei por todos os estádios, do local ao nacional, e isso fez com que, sem qualquer saudade, me mantivesse atento ao que se passava no Salitre e depois na Braamcamp.
O congresso de Espinho tinha sido muito doloroso para um vasto conjunto de honorários. Ali nos reunimos para receber uma homenagem que o termo do mandato de Sérgio Sousa Pinto havia promovido. A contenda entre Jamila Madeira e Ana Catarina Mendes deixou-me muito triste. A JS haveria de se manter em situação de tensão nos anos seguintes.
Aveiro sempre foi um alforge de grande quadros da JS. Nos anos oitenta sobressaíam Porfírio Silva e Paulo Pedroso, nos noventa Afonso Candal e Fernando Rocha Andrade e, logo no início do presente século, um jovem franzino, irrequieto e superiormente inteligente começou a afirmar-se.
Desde o seu tempo de presidente da Federação de Aveiro da JS que não mais deixei de o acompanhar.
Das minhas notas retiro hoje que houve duas reuniões do Secretariado Nacional do PS em que a questão da JS foi debatida. Nessa segunda reunião os presentes dividiram-se entre os esperançados e os céticos. Lello o mais cético, Pedro Silva Pereira o mais esperançado. Eu cuidei de não ir mais além do que um pronunciamento sobre a autonomia da Jota. Tinha sido essa a minha luta ao longo dos anos.
Ser Governo, como fomos a partir de março de 2005, provocou uma redução muito significativa das reuniões do Secretariado Nacional do PS. Mas o caminho de afirmação de Pedro Nuno no PS foi-se fazendo e a atenção, que passou a receber da estrutura do partido, ampliou-se.
Em 2005, autárquicas à vista, foi necessário encontrar um membro do Secretariado Nacional do PS, que também fosse membro do Governo, para estar presente na apresentação da candidatura de Américo Santos, pai de Pedro Nuno, à presidência da Câmara de São João da Madeira. Nesse ano tivemos um verão muito difícil em termos de incêndios florestais e muitas das estruturas concelhias fizeram-me convites para essas apresentações de candidatos pelo facto de ter tido muita exposição mediática enquanto responsável pela área.
Poderia não ter ido a São João da Madeira, um concelho onde era difícil afirmar o PS naqueles dias, mas fui e com interesse em saber quem era o pai de Pedro Nuno.
Foi uma sessão muito especial. Inovador como parecia ter sido sempre, Américo Santos, sabendo das dificuldades em juntar pessoas, fez uma comezaina num bairro e lá falamos, os dois, para quem se aproximou. Conheci aí a genética de Pedro Nuno através de Américo – quando Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé.
Pedro Nuno foi deputado entre 2005 e 2009 e eu estive no Governo. Mas tive colaboradores que estiveram contra ele e colaboradores que integraram os seus secretariados. Acompanhava ao dia o que se passava na JS. Os cortes, as opções, as bandeiras e confirmava, a cada tempo, que Pedro Nuno tinha alguma coisa diferente de todos os outros.
O momento de saída do Parlamento em 2009, ele para ser candidato autárquico e eu para ir tratar da minha sem a política diária, afastou-nos no contacto pessoal, mas não impediu a continuação da partilha de opiniões e de receios. Santos tem um defeito que eu detesto, como aliás também tinham dois dos anteriores líderes do PS – despacha por telemóvel e na maior parte das vezes não responde. A um velho socialista, como acho que sou, já não implica tal circunstância.
Regressou o nosso contacto mais diário a partir de 2013. Uma noite, reunidos na casa de António Costa na Av. da Liberdade, saiu dali uma vintena de socialistas com a certeza de que o então edil lisboeta iria avançar contra Seguro. Eu conheço Costa há 44 anos, e não dava como certo o que quase todos os outros assumiam. Costa não avançou!
Pedro Nuno ficou endemoninhado. Nos dias seguintes, dizem as minhas notas, falamos três vezes. Na primeira conversa ele disse-me que para ele Costa era passado, mas não foi.
Nas diretas que opuseram Seguro e Costa, Pedro Nuno garantiu com Fernando Rocha Andrade e Filipe Neto Brandão uma vitória esmagadora para o atual primeiro-ministro em Aveiro. Partiu daí o caminho que permitiria a afirmação/confirmação nacional.
No tempo de António José Seguro na Jota todos afiançavam, eu também, que aquele iria ser líder do PS. E foi! Desde 2009 que quase todos afiançam que Santos será líder do PS, e será.
Tudo isto não tem nada a ver com posições políticas, sensibilidades, caminhos. Só com a realidade pessoal, a dimensão de líder e o mau feitio que todo o líder comporta. E a História Universal não indica nenhuma grande figura que não tenha tido o seu mau feitio, mesmo Ghandi e Mandela no recato do lar.
A partir de 2015 o PS entrou numa espécie de paixão pelo “esquerdalho”. Lembro-me de no final de uma reunião da Comissão Política ter contado sete cachecóis iguais aos de Yanis Varoufakis, o primeiro ministro das Finanças grego que vinha do Sirysa. Os anos de 2016 e 2017 foram anos de vivas à Internacional, regressos a tempos passados e levianos. Não me preocupei muito com isso. A cada passo enviava inquietações a Pedro Nuno, sentia que elas eram tidas em conta. Também não deixava de protestar, em privado e em público, com António Costa e também sentia que era ouvido aqui ou ali.
Em 2017, numa altura em que as minhas divergências eram muitas e se revelavam nas votações parlamentares, concedi uma entrevista a Ana Sá Lopes. O título dessa entrevista era – “O futuro é o pedronunismo – claro que apoio”. Nela se escreveu que eu, da ala direita do PS, um perigoso conservador a bater com a mão no peito, apoiaria Pedro Nuno numa candidatura à liderança do PS.
Dizia ainda muitas outras coisas que me espantam pela sua atualidade. Mas o que me levava a antecipar em sete anos uma escolha era, tão só, o que tinha encontrado em 2005, primeiro observando Pedro Nuno, depois conhecendo a garra, a forma de estar e a inteligência do seu pai Américo.
Pedro Nuno Santos, a meio do percurso de vida, tem uma história para contar. História cheia de sucessos e de alguns insucessos, caminho feito com cada vez mais agregação à realidade do país e às nossas obrigações no mundo.
Há uns dias, quando contactei o poeta, embaixador e político Luís Filipe Castro Mendes para o motivar a apoiar Pedro Nuno Santos, ele escreveu-me citando um aforismo de Willy Brandt, a eterna figura da social democracia europeia – “… quem não foi comunista aos 20 anos não tem coração; quem não se tornou social-democrata aos 40 não tem cabeça.”
Pedro Nuno nunca foi comunista nem trotskista como algumas mentes maldosas vão insinuando. Pedro Nuno é um social democrata, se seguirmos as velhas considerações da segunda metade do século passado, ou um ecossocialista moderado e não marxista que quer responder ao tempo das transformações digital e climática que serão determinantes para o nosso futuro, sem esquecer a liberdade, a igualdade e a justiça social que sempre foram as marcas do socialismo democrático português, o socialismo que veio de Mário Soares até António Costa.
Entramos com ele no tempo em que o PS chega aos seus cinquenta anos, abrindo caminhos para as gerações de nasceram de Abril.
(Foto DR)