O grau zero

Seja qual for a perspectiva por que se olhe o problema, a Justiça fica sempre mal. Mesmo que haja recursos pendentes, mesmo que haja decisões da Relação que contrariam o juiz de instrução, a Justiça não está bem. E a Justiça é o último reduto dos cidadãos, em democracia. Que falhem os políticos, mas que os magistrados e os órgãos de polícia criminal não errem tanto. Quando deixar de se acreditar na Justiça, a sociedade estará minada, nas suas fundações, e ficará nas mãos de aventureiros.

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  • 15:58 | Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2024
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O presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e dois empresários estiveram detidos 21 dias, quase 3 semanas, uma obscenidade, nos calabouços da Polícia Judiciária (PJ), saindo com termo de identidade e residência, livres da suspeita da prática de um conjunto de ilícitos, para onde, ao que parece, os elementos probatórios apontavam indiciariamente, de forma consistente e sustentada. E tudo bem ponderado pelas três magistradas que dirigem as investigações e pelo director do DCIAP.

Depois de três centenas de polícias e magistrados, transportados em avião da FAP, terem assentado arraiais na Madeira, num espectáculo mediático de mau gosto, a montanha pariu um rato. Independentemente do que decidir o juiz que vier a apreciar o recurso interposto pelo Ministério Público (MP), parece-me que algo vai mal para os lados da rua da Escola Politécnica. E também da Rua Gomes Freire, já que o MP delegou na PJ a investigação que conduziu às 3 detenções citadas.

O despacho do juiz de instrução pulverizou o trabalho feito, supostamente credível e apurado, e desfez em cacos todas as suspeitas. O resultado foi um fiasco, um total fracasso, uma derrota para a tese e as pretensões do MP. Provavelmente, a acusação não era assim tão sólida. Talvez por estar assente em pés de barro, não resistiu aos primeiros interrogatórios. E os 3 detidos saíram limpinhos, sem mácula. E os advogados de defesa, astutos e matreiros, elogiaram a justiça. Pois, pudera… Ele era milhares de euros em dinheiro vivo, algum escondido, na casa da senhora sua mãe, depósitos suspeitos, diamantes e carros de luxo, topo de gama. E depois, vai-se a ver, e nada.

Impõe-se que ajuizemos. Ou as provas eram muito fracas, e isso leva-nos a pensar, ou o trabalho do juiz foi pouco cuidadoso, e isso deixa-nos preocupados. Um dos dois lados, errou flagrantemente. Mas se aquele batalhão de operacionais garantia infalibilidade das investigações, por outro lado, as detenções tão prolongadas implicam uma absoluta segurança na decisão. Em que ficamos, então?


Em questões sérias, não há meio da ponte. É normal que haja desencontros, mas surpreende que as posições do MP e do juiz sejam tão antagónicas, não é mesmo vulgar que tal aconteça. Para um, há fundadas suspeitas, para outro, rigorosamente nada. Alguém está a falhar.

Como vão longe, e bem, os tempos em que o juiz quase sempre acompanhava as propostas do MP. Esse era o padrão de Carlos Alexandre.

Seja qual for a perspectiva por que se olhe o problema, a Justiça fica sempre mal. Mesmo que haja recursos pendentes, mesmo que haja decisões da Relação que contrariam o juiz de instrução, a Justiça não está bem. E a Justiça é o último reduto dos cidadãos, em democracia. Que falhem os políticos, mas que os magistrados e os órgãos de polícia criminal não errem tanto. Quando deixar de se acreditar na Justiça, a sociedade estará minada, nas suas fundações, e ficará nas mãos de aventureiros.

Um conselho para os políticos. De futuro, não se acanhem com a condição de arguidos, e não se apressem a pedir a demissão dos seus cargos. Pelo andar da carruagem, é mais prudente que aguardem pelas decisões dos tribunais. Acusados, então, sim.

Não lembraria ao diabo que um político acusado criminalmente se permitisse continuar a gerir a res publica. Até lá, fiquem nas suas tamanquinhas, ao lume ou ao sol, resguardados ou expostos, mas em funções. António Costa, Duarte Cordeiro, João Galamba, Miguel Albuquerque, Pedro Calado, Miguel Alves, já absolvido do crime de prevaricação.

Estas três singulares figuras, algumas, constituídas arguidas, e outras não, apresentam em comum o facto de, por razões judiciais, terem visto interrompida a sua carreira política. E já não se livrarem da censura social, a mais amarga de todas. Provas inexistentes e meras suposições, plantadas num parágrafo, conduziram à demissão de dois governos e ao afastamento de políticos jovens, que, um dia poderiam vir a fazer algo de bom pela Nação.

Meus senhores, acalmem-se, e não se precipitem. Estes últimos desenvolvimentos judiciais não aconselham pressas. Se a Justiça tem o seu tempo, que à política não lhe roubem o seu.

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Publicado em Opinião