O fungagá da bicharada

Montenegro meteu-se num grande sarilho, numa trapalhada, de que não há forma de sair ileso e imaculado. Os sinais pestilentos do espúrio cruzamento dos negócios com a política estão lá todos. Só não vê quem está preso à cegueira partidária ou for tíbio na leitura dos textos e das suas entrelinhas.

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  • 14:20 | Segunda-feira, 17 de Março de 2025
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Foi deprimente o momento proporcionado pelos dois maiores partidos, no dia da votação da moção de confiança. De levar às lágrimas do riso.

A tentativa do arranjinho. A aldrabice e a manobra, à vista de todos. O jogo. Os telefonemas. Tudo em directo, ao vivo e a cores. A vergonha sem filtros. O frenesim da derradeira proposta, a sugestão e a recusa de uma reunião privada entre dois líderes. O jogo de esgrima com os argumentos pífios e a oratória fraca na vez dos perfurantes floretes. A tendência inata para a negociata, para o entendimento secreto, tudo na sombra dos bastidores. A vontade de esticar a corda, dando ares de leão triturador, e a falsa esperança nas pontes frágeis, por desgaste dos inertes. Para um público cansado, o folclore de dois ranchos, na disputa, ambos com o passo trocado, as vozes desafinadas e os instrumentos dessíntonos.

A questão, porém, é outra, e os jogos florais a que assistimos em directo são o biombo translúcido que já não esconde as misérias do regime. Os agentes políticos, incapazes de melhor, agarram-se num desespero crítico ao ritual dos formalismos, o símbolo maior da ausência de ideias, de propostas refundadoras, regeneradoras, chame-se-lhes o que se tiver por bem ou for menos inconveniente.

Montenegro meteu-se num grande sarilho, numa trapalhada, de que não há forma de sair ileso e imaculado. Os sinais pestilentos do espúrio cruzamento dos negócios com a política estão lá todos. Só não vê quem está preso à cegueira partidária ou for tíbio na leitura dos textos e das suas entrelinhas. A situação chamuscou a sua credibilidade. Um PM tem de ser mais escrupuloso na gestão da sua vida patrimonial. Não pode haver rabos de palha, suspeições. São casos a mais. Um PM de um país democrático e civilizado tem de ser impoluto, encontrar forma de provocar essa percepção no eleitorado, e que ela surja de um modo intuitivo. Não basta que a sua consciência esteja limpa, que diga dormir descansado, importa que nos convença da sua verdade. E, por desjeito e por falta de boas razões, não o tem conseguido. Cada explicação é um suicídio, as justificações embrulham-se, a coerência tropeça. A família vir em seu auxílio, virtude que fica bem em casa, é combustível na frigideira.


Mesmo sendo um activo tóxico, Montenegro vai liderar o PSD, mas os seus correligionários sabem que não vai haver sossego, a desconfiança assombrá-los-á até Maio.

O líder, ao invés de acrescentar, reduz, em vez de descansar, inquieta. É uma bomba-relógio, que ameaça explodir a qualquer momento, provocando estragos de monta. Nos momentos de crise, os partidos ganhadores tendem a defender os seus. Mais por necessidade do que por convicção. Os grupos políticos especializam-se em construir os seus deuses de barro, mesmo sabendo-os frágeis e incapazes de milagres. É o instinto de sobrevivência dos náufragos, a água nos lábios do moribundo. Faz parte. É a coreografia do poder. Se for derrotado, com o ambiente efervescente, que não vai parar de ganhar lume, passará à condição de saco de viagem, triste fim para um PM de curta duração. Nestas eleições, não é Montenegro que vai ser sufragado. Não são ideologias, projectos ou desígnios nacionais. É a ética e a confiabilidade que vão a votos. Porventura o que o ainda PM já perdeu.

Se assim for, mais do que uma eleição, será um julgamento popular. O PS verá num PSD fragilizado a janela de oportunidade para voltar ao poder. Mas, se, incapaz de uma renovação, voltar a insistir no parque jurássico, nas figuras do passado, comprometidas com ziguezagues, ciáticas e entorses, se teimar no ferro-velho, no czar dos Açores – o latifundiário das colocações -, no académico “bulldozer” do norte, carago, no “pintas” da advocacia dos negócios, no equilibrista do Tâmega, na tonitruante senhora embaixadora – cada frase um revólver -, estamos conversados. Nem reciclados.

Para sucata, já basta os Velhos do Restelo tecerem loas e cantarem hossanas a Passos Coelho, o lobo transformado em cordeiro, à espera da avózinha virgem e sonsa.

A política, assim, é um absurdo, uma vertigem, um cansaço. Se do oeste nada soprar de novo, quero ir para a ilha, sem apreçar o valor do bilhete. Só de ida.

 

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Publicado em Opinião