O estranho caso Sérgio Figueiredo

Alguns desses comentadores não deixaram pedra sobre pedra, apresentaram-se maiores do que qualquer um, prémios Nobel em potência. O que está a dar é falar de política sem saber nada de ciência política, falar de economia sem um laivo de macro ou microeconomia, falar de história sem um traço de investigação sólida.

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  • 12:05 | Sexta-feira, 19 de Agosto de 2022
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A grande comoção nacional que se viveu no início deste agosto pendeu-se com a contratação de Sérgio Figueiredo, um reputado economista, gestor e jornalista, para acompanhar o gabinete do ministro das finanças na avaliação das políticas públicas, em especial junto das empresas.

Em todo este caso, tudo se desenvolveu num universo que não é a política, nem a gestão da coisa pública. A discussão só se ligou ao facto de Figueiredo ser alguém que exerceu diversas funções de responsabilidade e, nesse âmbito, ter criado dois tipos de “admiradores” – os que não satisfez com prebendas e os que implicou com a sua ação e com a sua opinião.

Figueiredo atravessou a nossa vida pública nos últimos trinta anos. Jornalista de economia, não deixou de atacar Cavaco durante o seu mandato de chefe do governo, ou Guterres quando o país descarrilou, a partir da adesão ao Euro e iniciou o caminho para a recessão. A sua opinião sempre foi livre, tão livre, tão competente e tão clara quanto a de Perez Metelo, mas mais penetrante pelo seu ar frágil e quase pueril.


Os seus projetos jornalísticos deram a Portugal um novo espaço de afirmação da comunicação social especializada, criaram novas áreas que antes pouco trabalhadas eram como, por exemplo, o valor das marcas ou as prudências relativas ao capitalismo popular.

Um velho artilheiro das coisas da administração pública, João Abreu de Faria Bilhim, regressado ao palco público depois da impudícia de que se revestiu enquanto presidente da CRESAP durante o governo da Troika, veio questionar as competências de Figueiredo para a concretização de políticas públicas.

Eu sempre tive a certeza de que Bilhim era apedeuta nas coisas da vida para além da sua cátedra e a suas afirmações mostraram isso mesmo.

Figueiredo foi, ao longo de mais de uma década, na TV e nos jornais, um promotor da análise de políticas públicas. Claro que não é um académico das políticas públicas, porque o ISCTE tem do melhor que há e esse saber pode ser sempre requisitado, mas é alguém que consegue reunir académicos e sociedade numa franca e consequente discussão que aporte resultados palpáveis. Sérgio Figueiredo nunca traria para as suas funções as certezas da academia, porque essas, na governação, são relevantes mas não determinantes.

Só Bilhim abordaria a questão pelo perfil para a função. E disse que não estava a ver o ministério da agricultura a reconhecer a competência de Figueiredo para uma avaliação das políticas agrícolas. Eu também não. Em primeiro lugar porque as Finanças não tratam de agricultura, depois porque há muito mais a fazer antes de chegar a esse universo.

O Ministério das Finanças, enquanto força central de um governo, carece de alguém, para além das máquinas a quem cumpre a permanência da análise das políticas, que possa reunir grupos díspares e carrear informação para a decisão. Marques Mendes, antigo governante, sabe-o bem e é por isso que a sua análise do passado domingo nem parece dele mesmo, manchada que está pelo desprimor. Figueiredo cumpriria, de forma exemplar, o objetivo para que teria sido contratado.

Há, depois, duas questões muito pouco dignas do combate político – a remuneração que iria arrecadar e um antigo contrato com a Câmara de Lisboa.

Há uns anos atrás também se verificou uma pequena trauliteirada sobre a contratação de António Borges para assessorar o Governo do PSD/CDS num conjunto vastos de dossiers. Nessa altura o PS rasgou as vestes e eu escrevi um artigo, num diário, em que me afirmava favorável à mesma contratação.

Em todos os governos do mundo há personalidades relevantes a quem são entregues dossiers complexos ou atividades de acompanhamento e aconselhamento. A diferença é que nas ditaduras esses contratos não se conhecem e nas democracias tudo se sabe. Tudo ou quase tudo! O contrato de Borges nunca se conheceu, apesar do exigido pela lei. E se Figueiredo, analista económico, fundador e diretor de jornais económicos, gestor do maior grupo empresarial de energia, promotor cultural e diretor de uma estação de televisão não é uma personalidade relevante, então onde se encontrarão?

A remuneração que Figueiredo auferiria neste novo posto seria inferior a um associado com 10 anos de atividade e 35 anos de vida numa qualquer consultora. O problema não está na remuneração de Figueiredo, está na vergonha a que chegamos quando olhamos para os vencimentos dos governantes.

Depois, houve aquela fuga que todos adivinharão de onde partiu. Trinta mil euros para um conjunto de spots publicitários, contratados pela câmara de Lisboa, em que participaram grandes figuras públicas. Quem escreveu sobre este tema e quem o ampliou devia pintar a cara com carvão. Todos sabem que trinta mil euros, no mercado da publicidade e com os participantes que aceitaram dar a cara, foi um fornecimento que poderíamos apelidar de pro bono. Só num país de ciumentos é que esta questão pode ser merecedora de notícia.

O tema Figueiredo apareceu com enorme dimensão porque temos uma comunicação social minúscula e uns tantos comentadores encartados com um ego do tamanho do mundo.

Alguns desses comentadores não deixaram pedra sobre pedra, apresentaram-se maiores do que qualquer um, prémios Nobel em potência. O que está a dar é falar de política sem saber nada de ciência política, falar de economia sem um laivo de macro ou microeconomia, falar de história sem um traço de investigação sólida.

Sérgio Figueiredo foi quase tudo no jornalismo. Foi figura relevante num universo empresarial protegido e ainda no espaço cultural. E isso é o que um alcofinha nunca poderia ter sido.

Medina está no meio disto tudo porque quer fazer um grande lugar como ministro das finanças. Medina aparece aqui porque ainda está fresca a sua saída da alcaidaria da capital. Medina é sovado porque um país pequeno tem pouca gente provecta como ele é.

Nunca Figueiredo me convidou para o que fosse. Nunca fui à TVI, escrevi nos jornais ou regulei o setor da energia convidado ou implicado por Figueiredo. Estou livre para dele fazer uma apreciação isenta e despida de qualquer interesse. Tão livre que lhe direi hoje que fez mal em ter recuado. A maledicência encara-se de frente e anula-se com um sorriso.

Importa que o país se concentre no que deve, que não seja a eterna choldra queirosiana. A inveja faz de nós gente pequena e isso impede que possamos sair da eterna tristeza que nos assola.

 

(Fotos DR)

 

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