Na semana transacta, o Almirante deu uma entrevista ao jornal do saquinho de papel. Fica à mostra o que já antes era claro, mas que o militar teima em esconder, numa gestão dúbia das expectativas.
O oficial vai a jogo, reservando, porém, o supremo momento da anunciação para uma data que só ele sabe. Tacticista, aguardará que os concorrentes, os já assumidos e os periclitantes, resolvidas as dissenções internas, resistentes a uma década de ressentimentos, se cheguem à frente e digam ao que vêm.
Esmiuçando a entrevista, na bondosa expectativa de, expostos ou disfarçados nas entrelinhas, nela encontrar motivos de gáudio e arrebatamento – visão, projecto, causas, desígnios nacionais -, cedo se frustrou a esperança.
Sem o dizer, é mais um enquistado, se bem que a outras referências, homem de um outro aparelho, esforçado em arrebanhar descontentes, situados na linha média do regime, desencantados com o rumo dos acontecimentos.
Figura de cera, e de postura seráfica, não é inspirador. Por mais que diga e que conte não arrebata, não entusiasma. Talvez sim aqueles que por tudo e por nada dizem mal dos partidos e duvidam da sua indispensabilidade em democracia.
Subliminares, estão lá os ensinamentos da instituição castrense: ordem, disciplina, continência, autoridade, hierarquia, distância, dever, cumprimento, obediência.
Fora dos porões e dos conveses, e longe das águas alterosas dos oceanos, tenho sérias dúvidas sobre o grau absoluto dessas certezas e sobre as suas vantagens, quando aplicadas, sem relego, na sociedade civil.
Com desdém, zurze nos partidos, reduzindo-os a um grupo organizado de alcoviteiras, desabona os opositores, ovelhas de um rebanho de intriguistas palacianos, serventuários dos partidos que, acusa ele, “renegam” simbolicamente no acto da candidatura. Com os temores que a intenção autoriza, é o puro, o imaculado, o Messias.
De tudo o que debita, o interessante não é original e o original não é interessante. Vejamos. Se o governo não cumprir o prometido, dissolverá o Parlamento. Desconhecendo-se qual o instrumento de medida que utilizaria para avaliar com precisão o grau de ofensa das promissões, e quando é que ela se tornaria insuportável para o seu entendimento judicioso, subjaz a esta ideia a necessidade de uma revisão constitucional, já que o incumprimento de promessas por si só não consubstancia a violação do normal funcionamento das instituições democráticas e para aquela remete o uso da “bomba atómica”. Quiçá crente numa maioria substancial para aprovação de um novo texto, agita algo que não depende de si e está muito longe de poder controlar. Não encontrando respaldo no eixo partidário, certamente que seria lesto a alijar a carga e a endossá-la a quem lhe colocar escolhos no caminho.
Situo-me politicamente entre o socialismo e a social-democracia. A isto chama-se posicionamento, e não pensamento, que esse continua por conhecer. O lugar que o protocandidato diz ser o seu não é carne nem é peixe, é o do meio, o espaço conveniente. Tanto arrepela os partidos, e logo num ai pede a sua bênção por interpostos e ínvios caminhos.
Na defesa destes dois pontos de vista, o Almirante revela-se um populista requintado: promete o que sabe não poder garantir, porque lhe é exterior, posiciona-se no sacrossanto espaço das facilidades e dos conúbios.
E porque sabe bem a arquitectura do ardil que está a montar, com tantos silêncios e vacuidades, torna-se um candidato perigoso.