No último texto que escrevi no Rua Direita falei sobre abstenção e da forma como, genericamente, os actores políticos acabam por ignorar este problema que retira legitimidade e representatividade à nossa democracia. Uma das coisas que se diz da abstenção quando ela cresce (e cresce quase sempre) é que galopa. A abstenção galopa e dado o seu carácter galopante, podemos argumentar que é uma característica de asininos e equídeos. Mas não é.
Ora tudo indica que passaremos a ter outro elefante na sala democrática, que importa combater, mas que tem merecido tratamento semelhante por parte de quem temos escolhido para nos governar nas últimas décadas.
No dia 31 de Janeiro teremos, quase de certeza, na Assembleia da República, pela primeira vez desde o 25 de Abril, um grupo parlamentar de um partido claramente antidemocrático, anticivilizacional, xenófobo, e outras coisas próprias de quem olha para o seu umbigo e se delicia com o “mundo interminável e maravilhoso” de uma bola de cotão.
Muitos dos eleitos expressam felizmente a sua preocupação e intransigência mas, além de um conjunto de declarações a expressar preocupação e a levantar barreiras sanitárias, não se vê, pelo menos publicamente, quem dentro dos partidos democráticos, se preocupe com as razões deste crescimento eleitoral. Porque raio há cada vez mais portugueses a decidirem depositar a sua confiança em quem brada tamanhas enormidades, ainda por cima carregadas da incoerência de que gostam de acusar todos os outros actores?
Será que estes votos surgem por geração espontânea ou resultam de reiteradas falhas dos actuais actores, falhas essas que são varridas para debaixo do tapete, à espera que desapareçam? Quando situações escandalosas são reiteradamente desvalorizadas, quando o que é claramente reprovável e até punível legalmente, é ignorado, quando as desculpas estapafúrdias fazem escola para proteger o que não tem protecção não é natural que os radicalismos ganhem expressão?
A democracia é um sistema frágil, que precisa de carinhos e, há demasiado tempo que temos gente abrutalhada a maltratá-la, a desconsiderá-la e, ainda assim, a ser premiada. É pena porque sofreremos todos, sem excepção.