Canta Sérgio Godinho que “só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. A habitação é um direito fundamental, consagrado na constituição, a base de uma sociedade estável, coesa, justa, mas também uma garantia essencial mínima de qualidade de vida que permite que as pessoas acedam à paz, ao pão, à saúde e à educação.
Existem formas e programas que deveriam procurar responder a quem tem maior dificuldade em aceder a condições de habitação digna. No entanto, a tendência é que essas formas e programas esqueçam a questão da dignidade. O direito à habitação não se limita à existência de um telhado – importa o material de que é feito, o estado das paredes que o sustentam e a funcionalidade das divisões por ele protegidas.
É missão e compromisso do Estado garantir condições universais de habitação digna a todas as famílias, mas também das autarquias que, em maior proximidade, fazem a gestão da habitação social. São, no entanto, vários os exemplos que reprovam o estado e as autarquias na capacidade de garantir este direito.
Sem ser preciso ir muito longe e recorrendo a exemplos, na impossibilidade de enumerar as incontáveis situações em que a garantia da habitação digna é negligenciada, falarei de casos de habitação social no Bairro de Paradinha em Viseu, no bairro de Nossa Senhora do Castelo em Mangualde e do programa de Arrendamento Acessível em Mangualde.
Sem me alongar, resumo o caso da seguinte forma: no bairro de habitação social de Paradinha, em Viseu, vive um casal com quatro crianças num T3 inabitável devido a severos problemas de humidade. Duas das crianças encontram-se em cadeiras de rodas. Pelo menos um dos quartos não é utilizável, verificam-se tetos negros e madeiras em apodrecimento, entre outras consequências da humidade.
A habitação social em Viseu é gerida pela Empresa Municipal Habisolvis, que a custo e sem a celeridade de resposta exigida, vai ensaiando remendos para a situação. Sem sucesso, pois os problemas de humidade, estruturais, voltam em pouco tempo. A possibilidade de atribuição de uma nova casa, perante a incapacidade de resolver o problema, também tem sido, teimosamente, durante anos, negada.
Estas habitações ainda têm telhados e outros elementos em amianto, substância cuja utilização e comercialização foi proibida em 2005. O amianto é nocivo para a saúde e as suas diferentes variedades são agentes cancerígenos, devendo, segundo recomendação da DGS, a exposição a qualquer tipo de fibra de amianto ser reduzida ao mínimo.
Ainda em Mangualde, localizam-se, na Quinta da Igreja, as primeiras habitações, a nível nacional, do programa de Arrendamento Acessível do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Começa por ser estranho que estando disponíveis dezoito apartamentos e tendo existido vinte e três candidaturas ao programa, apenas sete estejam habitados, mas a “estranheza não fica por aqui”.
Os programas sociais para acesso à habitação não podem ser secundarizados, pois tal significa secundarizar quem necessita desses programas. Segurança e saúde, através de deficitárias e degradantes condições habitacionais, estão a ser promovidas pela gestão municipal e pelo Estado, consolidando atitudes discriminatórias e fragilizantes, bem como um ataque ao garante do cumprimento do direito à habitação.