O dever das grandes empresas e a concertação social

Na opinião pública não existe o Conselho Económico e Social. O que revela é a concertação entre patrões e sindicatos usando um léxico que muitos vão desgraduando. E deve ser esse o universo que deve ser valorizado para dar um novo tempo às políticas fundamentais de que o país precisa.

Tópico(s) Artigo

  • 17:46 | Segunda-feira, 31 de Maio de 2021
  • Ler em 3 minutos

Há muito que os interesses e a visão da economia das mais dinâmicas empresas portuguesas deixaram de assentar exclusivamente na Concertação Social. A CIP, a CCP e a CAP não são, no nosso tempo, os representantes de uma parte significativa das empresas, dos promotores mais exigentes e dos exportadores globais.

A CTP, que representa um setor relevantíssimo da nossa economia – o turismo – ganhou presença nessa Concertação Social por não encontrar, nas restantes confederações, a resposta que merecia. Mas não se trata de uma confederação, antes de uma federação de pequenas associações.

O Conselho Económico e Social, a partir do qual se desenvolve a concertação social, é uma emanação constitucional. Recebeu uma parte do simbolismo da Câmara Corporativa e, ainda, do Conselho Nacional do Plano. Porém, a sua formatação deveria merecer, nos tempos que vivemos, uma profunda revisão.


Se podemos admitir que faz sentido a representação da sociedade num ente onde possa haver debate sobre o país e se possa implicar a governação nas decisões estruturantes, não nos parece que continue a existir razão para que a Concertação Social se mantenha no mesmo universo orgânico e que algumas competências arbitrais assentem praça na mesma dependência.

Na opinião pública não existe o Conselho Económico e Social. O que revela é a concertação entre patrões e sindicatos usando um léxico que muitos vão desgraduando. E deve ser esse o universo que deve ser valorizado para dar um novo tempo às políticas fundamentais de que o país precisa.

Em Espanha a concertação social não tem mais do que cinco agentes. O Presidente do Governo, que preside podendo delegar; um representante das grandes empresas e outro das pequenas e médias empresas, e as duas centrais sindicais. Existe um corpo técnico com representantes de cada entidade que prepara, sem exposição pública, todo o processo de decisão e as resoluções finais são ao mais alto nível – presidentes das confederações patronais e confederações sindicais. Este modelo tem mostrado vantagens porque a capacidade de diálogo sem auditório e a empatia pessoal têm garantido sucessos em momentos difíceis.

Em Portugal não se prevê, ainda, que a representação sindical se possa multiplicar ou unificar, mesmo que novas formas de trabalho estejam a ampliar-se. Mas a representação das empresas é hoje profundamente anacrónica por não existir mais a divisão obsoleta de indústria, comércio, agricultura e turismo, por estarmos num tempo em que as unidades económicas se integram em cadeias de inovação e de valor internacionais.

Olhando este quadro, um grupo de cinco dezenas de grandes empresas, relevantes pelo seu peso no PIB, nas exportações e no emprego que paga melhores salários, decidiu criar uma entidade que vai ter como objetivo responder às exigências que se colocam a Portugal: 1. ganhar mercados; 2. produzir mais e melhores produtos; 3. criar mais e melhor emprego; 4. mudar os paradigmas da gestão.

Podemos responder a esta iniciativa com a tradicional desconfiança portuguesa. Muitos dirão que essa desconfiança vem da esquerda que também está no Governo; outros dirão que a suspeita resulta da nossa ancestral dependência do Estado e rejeição à mudança que são típicas dos universos mais tradicionais da direita. Os dois lados estarão profundamente errados.

Haverá, como se vai constatar o ciúme das atuais confederações. Compreende-se que assim seja, porque deixaram de responder à economia para responderem a grupos de interesses e a máquinas sustentadas por fundos europeus. Haverá, como rapidamente se verá, a martirização desse projeto por parte da CGTP, porque se mantém numa perspetiva muito assente em luta de classes e só encontrou, para em nome dela falar, alguém que nela sempre trabalhou, uma espécie de endogamia sindical.

Ao Governo exige-se, porém, uma atitude positiva, de abertura. Não havendo, em tempos mais próximos, condições para a reforma profunda da concertação social, assumindo-se o custo do anacronismo da sua atual existência, o novo ente empresarial não pode deixar de ser acompanhado e estimulado. A recuperação da economia só poderá fazer-se com uma nova ambição, com uma outra capacidade de mobilizar investimento. A criação de emprego de qualidade só se fará com grandes projetos ou a agregação de pequenas realidades existentes. O crescimento da economia só pode fazer-se, para não sermos apanhados pelos países do antigo Bloco de Leste, se não nos deixarmos levar pelo provincianismo ou por complexos ideológicos.

Nas duas últimas décadas o nosso crescimento económico foi insuficiente, os salários encostaram à remuneração mínima legislada, a estrutura da maioria das empresas manteve-se ausente de capacidade de gestão e focada no mercado interno. O país assume uma dívida pública colossal, uma dívida externa que deveremos contrariar com rapidez, não há liquidez que nos ajude.

O desafio da próxima época é fazer uma nova economia, mais livre e mais dinâmica, mais qualificada e mais diversificada. O Governo e o Primeiro-Ministro não podem deixar de ouvir a sociedade e a nova economia.

 

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião