O Covid e a vida em caixotes

A Laurindinha trouxe a Viseu o amor que faltava assim se escreveu no Diário de Viseu. O nome adveio da sua avó paterna, em diminutivo bem ao jeito português para fazer jus às tradições da nação. Portugal foi representado desde a mesa ao ambiente, até à música, sempre portuguesa, e no fado que acontecia uma vez por mês, onde o tema Laurindinha de Dulce Pontes terminava as noites de fadistice.

  • 15:08 | Sexta-feira, 14 de Agosto de 2020
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Era Sexta-feira, 13 de março, a pandemia vinda da China que se havia instalado em Portugal no início do mês já fazia tremer as mãos da jovem empresária.

O dia no café começou com algumas precauções ainda pouco estudadas. O álcool etílico em cima do balcão, as mãos incessantemente lavadas, as chávenas escaldadas e um cuidado, embora habitual, um tanto exagerado. Os clientes chegavam a medo com as brincadeiras do costume, mas o tema, esse, era outro.

Iniciou o negócio com a ajuda da linha Microinveste, que apoia projetos de empreendedorismo e de criação do próprio emprego, em 1 de julho de 2018. Tudo corria bem, num progresso lento, mas muito positivo e os planos eram do tamanho dos sonhos.


O ‘’bicho’’ estragou-lhe, primeiramente, a comemoração do segundo aniversário da Laurindinha e, por último, a vida que tinha reconstruído até então.

A Laurindinha trouxe a Viseu o amor que faltava assim se escreveu no Diário de Viseu. O nome adveio da sua avó paterna, em diminutivo bem ao jeito português para fazer jus às tradições da nação. Portugal foi representado desde a mesa ao ambiente, até à música, sempre portuguesa, e no fado que acontecia uma vez por mês, onde o tema Laurindinha de Dulce Pontes terminava as noites de fadistice.

Esse fatídico dia, sexta-feira 13, já acredita a própria ser dia de má sorte. Foi o último dia em que o público adentrou aquela porta.  Sem obrigatoriedade iminente, mas com consciência cívica, nesse mesmo dia encerrou mais cedo. O estado de emergência foi declarado a 18 de março e as incertezas instalaram-se. Vivendo do dia a dia e sem fundo para imprevistos, a falta imediata de rendimentos obrigou a medidas extremas. Em quarentena, na casa que arrendou, fazia 1 ano, mesmo por cima do seu negócio, o desespero já se manifestava. Ali vivia com a sua filha menor de idade. Permaneceu apenas mais um mês, o mês que a caução permitiu. Ninguém me tirava dali a lei protegia-me, refere, mas o acumular de dívidas previa-se e até então nunca conviveu com elas.

A decisão mais difícil não tardou. Deixou a sua casa, tendo antes vendido tudo o que tinha para sobreviver, à exceção do seu carro. O que mais doeu foi vender o quarto da minha filha, afirma. Mudou-se para a casa da sua mãe a 20 km de distância, proveu a mudança de escola da filha que manifestou alguns desequilíbrios emocionais com a quarentena obrigatória, a mudança de casa, a futura mudança de escola e todo o processo de aprendizagem em e-learning e telescola.

A 15 de Abril escreveu na página da sua empresa no Facebook: A minha, vossa Laurindinha perdeu toda a graça, perdeu todo o charme. A nossas plantas vão recebendo água para se manterem agarradas à vida, mas essa é a única vida que aqui existe e mesmo sem luz elas mostram que é possível aguentar a vossa ausência. Os Jornais mantêm-se naquela mesa, datados de 13 de março à espera de serem substituídos por notícias frescas, boas de preferência. Até a ausência do som dos motores de refrigeração dói ao ouvido, soa a pandemia e pandemia soa a silêncio, um silêncio ensurdecedor. Nem o rádio toca o fado, nem as guitarras têm dia agendado. A bandeira permanece altiva, aquela que enobrece os sentimentos e nos orgulha. A cozinha donde saíam feijoada e cozido à portuguesa não tem cheiro nem saco cheio para despejar, não há pratos nem fogão para limpar. Não há mais bom dia com café, um cheio, outro pingado, nem meia de leite e uma sandes de queijo, nem bifanas ou chouriça assada pela tarde. Liga-se a máquina do café de quando em vez para o circuito funcionar e não avariar… e lá foram para a guerra os amores da Laurindinha.

Esta publicação foi visualizada por cerca de 8500 pessoas e muitos foram os clientes e amigos que se manifestaram.

A luz ao fundo do túnel parecia estar ao seu alcance quando foi apresentada a uns possíveis sócios que iriam injetar dinheiro na empresa para alavancar o negócio em tempos de COVID-19. A luz esfumou-se e o negócio não chegou a acontecer. A pressão dos credores, a incapacidade de reabrir nas condições exigidas, antevendo o retorno lento e as dívidas acumuladas em tão pouco tempo, resultaram na entrega do espaço ao senhorio. Retirar cada objeto dali foi como guardar os sonhos na gaveta e colocar a vida em caixotes, explica a dor de alma de um sonho frustradamente roubado.

Todos os negócios são um risco. Uns terminam por serem inviáveis, outros por má gestão e outros por motivos alheios ao esforço, empenho e ao sucesso. À semelhança deste, outras pequenas empresas encerraram atividade e outras caminham a passos largos para que aconteça muito em breve.

O Vírus destruiu vidas. O melhor disto é que daqui do fundo é sempre a subir, faz questão de reiterar a resiliência desta jovem de 40 anos.

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Publicado em Opinião