O Caixeiro viajante

Um dia estava a minha avó Maria sentada numa tarde de Verão na soleira de uma das três portas da mercearia e esse homem com a alegria e a sensibilidade que cultivava, abeirou-se dela e disse-lhe: Avozinha a senhora tem uns olhos tão lindos!

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  • 19:29 | Sábado, 30 de Novembro de 2024
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Durante a minha infância e adolescência conheci muitos caixeiros viajantes que visitavam a mercearia do meu pai com frequência e uma das características que todos tinham era a sua simpatia, gentileza e amabilidade.

Hoje recordo um, e nele quero homenagear todos os caixeiros viajantes que tanta alegria me traziam quando pegavam no dossier dos produtos e a minha mãe ou o meu pai faziam as encomendas!

Adorava presenciar aquela tarefa e olhar as fotografias de alguns produtos como sabonetes, vernizes e água de colónia, que nunca foram pedidos, mas que eu alimentava a ilusão de que talvez na próxima eles fizessem parte da lista.


O senhor Balsemão era um homem alto, magro, bastante magro, loiro com uma cabeleira farta que ele penteava com frequência com o pente pequeno que trazia no bolso do casaco ou da camisa. Tinha um bigode loiro que retorcia nas pontas tão exageradamente simétrico que quase podia apostar que não existia um pelo a mais de um dos dois lados. Vestia sempre calça de fazenda vincada, camisa com gravata e no inverno casaco e sobretudo. Os sapatos estavam sempre impecavelmente engraxados e com frequência usava luvas. Um senhor…

O senhor Balsemão vendia tintas que faziam parte do pelouro do meu pai, aqui a minha mãe não dava palpite, mas eu, como sempre colocava-me junto ao balcão com uma grade de refrigerantes por baixo e espreitava aqueles catálogos coloridos e os diálogos comerciais entre os dois homens, vendedor e comprador.

O senhor Balsemão não tinha filhos e era casado com uma senhora muito bonita, segundo a fotografia a preto e branco que trazia na carteira e que fazia questão de mostrar. O Senhor Balsemão era muito simpático e muito gentil e gostava de elogiar e de presentear as pessoas! Um dia estava a minha avó Maria sentada numa tarde de Verão na soleira de uma das três portas da mercearia e esse homem com a alegria e a sensibilidade que cultivava, abeirou-se dela e disse-lhe: Avozinha a senhora tem uns olhos tão lindos! A minha avó fingiu não gostar, não estava habituada a ouvir elogios, nada disse, que como ela dizia às netas, mulher honrada não tem ouvidos, mas eu vi nos olhos dela que a sua alma sorriu!

Este homem gostava de presentear as “suas meninas”, como carinhosamente nos tratava. Trazia chocolates, sugus, bolachas, mas o que mais apreciávamos eram as caixas de biscoitos sortidos que a nossa mãe guardava e que nos dava com parcimónia, gerindo muito bem aquele tesouro doce.

O senhor Balsemão todos os meses nos visitava, houve um mês que não veio, depois outro, até que a triste notícia chegou, o nosso fornecedor de guloseimas tinha morrido num acidente de viação. Naquele momento senti um aperto no coração e um amargo de boca que nenhum biscoito poderia tirar! Até sempre Senhor Balsemão!

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Publicado em Opinião