Ao fim de uma década, Catarina Martins abandona a liderança do Bloco de Esquerda. Ao contrário do que muitos analistas podem fazer crer, Catarina foi uma personalidade importante no contexto da vida política portuguesa.
Carlos César, presidente do Partido Socialista, deu relevo ao empenhamento que a coordenadora do Bloco demonstrou na criação da Geringonça. Não se lhe pode retirar esse mérito. Mas o que de mais significativo se pode atribuir a Catarina é o facto de nunca ter descido ao combate de rua desordeiro, de nunca ter saltado a barreira da decência parlamentar, mesmo que em muitas situações o populismo das suas falas fosse nítido.
O Bloco entra, a partir de agora, na quarta etapa da sua existência.
A primeira foi a da construção da unidade de uma esquerda não social democrata nem comunista. A soma de um conjunto de quadros urbanos, vindos da UDP, do PSR, do PCP e de outros pequenos grupos, foi um entendimento entre Louçã, Fazenda, Portas e Rosas, uma partilha de interesses culturais, intelectuais, mais do que uma unidade de pensamento ideológico.
A primeira liderança do Prof. Francisco Anacleto era rígida, sem cedências, esfíngica. Tinha tudo o que o filho de um almirante deve ter.
Marcada pela visão típica da burguesia urbana, elitista até à quinta casa, não fazia fácil o debate porque o líder travestia-se, da sua leitura radical da economia e da sociedade passava a uma linguagem muito portuguesa, quase salazarista.
A segunda liderança, a de Catarina, é a evolução natural da sociedade. Sai a burguesia ilustrada para dar lugar à classe media rural como fundamentos de vida, como olhares do mundo. A simplicidade mesclada de teatralidade, por decorrência da profissão, fez com que o Bloco ganhasse debates, mesmo que as medidas fossem limitadas a três frases simplórias.
Vem agora a terceira liderança. E em vez de se caminhar nas elites urbanas formatadas num mundo aberto, cosmopolita e de alto padrão no estilo de vida, o Bloco opta por uma escolha que é uma roleta russa.
João Teixeira Lopes não achou piada nenhuma à escolha da corda do Bairro Alto e promoveu o jovem José Soeiro a alternativa. Um erro! O único quadro do BE que estava em condições de fazer o caminho da unidade era Jorge Costa, aquele que se resguarda para um dia poder ser o aclamado. Talvez seja tarde, nessa altura…
O Bloco pode vir a desagregar-se e desta vez de forma definitiva. A liderança de Mortágua será um paralelo na mão em Davos, um molotov numa qualquer manifestação no Camões. Será a isso impelida, porque lhe meteram na cabeça a obrigação de continuar a revolução anticapitalista. Mas há outro Bloco, o do compromisso à esquerda, saudoso da Geringonça que foi o que historicamente sempre ambicionou. Esse BE está velho e conservador, não acha piada nenhuma ao ruído inconsequente.
No dia em que Mortágua der cabo do seu agrupamento vamos ter uma esquerda, à esquerda do PS, muito pequenina. Beneficiará o Livre e o seu eterno líder Tavares. O PCP, nessa altura, terá, no máximo, três deputados, dois em Lisboa e um em Setúbal.
Como se refaz a governação left com uma esquerda extremista que só quer “ir às fuças da extrema-direita”? Com um Partido Socialista que se mantenha fiel ao centro-esquerda. Será sempre esse o futuro.
Ascenso Simões
(Fotos DR)