O artigo 6º da Carta dos Direitos Digitais

«Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente  ameaça  aos  processos  políticos  democráticos,  aos  processos  de  elaboração  de  políticas públicas e a bens públicos.»

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  • 19:26 | Sexta-feira, 24 de Junho de 2022
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O debate sobre as condições em que se certificam as notícias falsas não é exclusivo de Portugal. Em muitos países da Europa já vai mais adiantado e até já foram adotadas medidas parecidas com as que o parlamento português criou.
Finalmente apareceu uma santa alma que impôs ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista o bom senso. O artigo 6º da Carta dos Direitos Digitais vai ser eclipsado na sua dimensão de autorizador de uma “nova PIDE” para os conteúdos digitais.

O debate sobre as condições em que se certificam as notícias falsas não é exclusivo de Portugal. Em muitos países da Europa já vai mais “triturado” e até já foram adotadas medidas parecidas com as que o parlamento português criou. Neste aspeto José Magalhães tem toda a razão e dou-lhe todo o crédito. Só que Magalhães sempre foi um visionário…

Acontece, porém, que em todos esses países a concretização das medidas tarda a ver a luz do dia. E é normal e natural que em democracias consolidadas assim seja.


O que está em causa nesse artigo 6º? Tão só a possibilidade de existir a certificação da verdade por entidade privada de uma certa notícia (simplificação nossa).

A Assembleia da República aprovou um texto numa primeira votação. E essa aprovação foi de tal forma feita em segredo que levou os deputados a uma aprovação tácita, como acontece em centenas de votações às sextas-feiras nas duas anteriores legislaturas. Foi grave o que aconteceu.

Retomada a discussão, através de iniciativas legislativas que subiram ao plenário em julho do ano passado, voltou a confirmar-se o mesmo artigo 6º.

 

Naquele dia de verão, houve quatro deputados do PS que votaram em sentido divergente do seu partido – Jorge Lacão, Sérgio Sousa Pinto, Marcos Perestrelo e eu próprio. Resultou dessa votação uma declaração de voto minha que agora recupero. Diz assim:

“ A Iniciativa Liberal e o CDS apresentaram dois diplomas, discutidos hoje, para a revogação do artigo 6.º da Carta dos Direitos Digitais. Eu votei a favor destas duas iniciativas e em sentido divergente do meu grupo parlamentar.

Há, nos dias de hoje, uma rejeição muito ampla desse mesmo artigo que diz: «Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente  ameaça  aos  processos  políticos  democráticos,  aos  processos  de  elaboração  de  políticas públicas e a bens públicos.» E dá-se o poder a entidades privadas para atribuírem selos de garantia às notícias consideradas verdadeiras.

Imaginemos a seguinte situação: um ministro inaugura 50 km de uma via que havia sido prometida. Só que essa via teria 100 km. O Governo diz que cumpriu, a oposição diz que não. Quem diria a verdade seguindo os critérios da norma? A vida política, como a vida social, enfrenta critérios de verdade que não são absolutos.

O PS apresentou, hoje também, um diploma em que tenta ir mais longe no que considera serem entidades atribuidoras  do  selo  de  garantia.  Nesse  diploma  é  dito  que  a  Associação  da  Imprensa  Cristã  é,  de  forma automática, entidade idónea para a atribuição desse selo.

Vamos, então, aplicar o critério. Perante a discussão sobre a interrupção voluntária da gravidez a Associação da  Imprensa  Cristã  não  atribui  selo  de  garantia  a  todas  as  notícias  que  não  digam  que  há  vida  a  partir  do momento  da conceção.  Em  que  ficamos?  Como  resolvem  os Deputados  a  consideração  de  verdade  ou inverdade  perante  questões  de  fé,  inquietações  filosóficas  ou  propensões  ideológicas?  Perante  conceitos  de democracia que, por, exemplo, existem de forma radicalmente opostas entre partidos da esquerda parlamentar, o  que  pode  fazer  uma  entidade  autorizada  a  emitir  selos  de  garantia?  Há  democracia  em  Cuba,  ou  na Venezuela? Le Pen ou Salvini são racistas e xenófobos?

Há momentos em que a ponderação obriga a parar. O PS não entendeu parar para pensar. Lamento, mas não posso votar num sinal verde para a asneira.”

Passado este tempo, antecipando um possível chumbo constitucional, o PS e o parlamento parecem estar a seguir o caminho certo. Ainda bem!

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Publicado em Opinião