O debate sobre as condições em que se certificam as notícias falsas não é exclusivo de Portugal. Em muitos países da Europa já vai mais adiantado e até já foram adotadas medidas parecidas com as que o parlamento português criou.
Finalmente apareceu uma santa alma que impôs ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista o bom senso. O artigo 6º da Carta dos Direitos Digitais vai ser eclipsado na sua dimensão de autorizador de uma “nova PIDE” para os conteúdos digitais.
O debate sobre as condições em que se certificam as notícias falsas não é exclusivo de Portugal. Em muitos países da Europa já vai mais “triturado” e até já foram adotadas medidas parecidas com as que o parlamento português criou. Neste aspeto José Magalhães tem toda a razão e dou-lhe todo o crédito. Só que Magalhães sempre foi um visionário…
Acontece, porém, que em todos esses países a concretização das medidas tarda a ver a luz do dia. E é normal e natural que em democracias consolidadas assim seja.
A Assembleia da República aprovou um texto numa primeira votação. E essa aprovação foi de tal forma feita em segredo que levou os deputados a uma aprovação tácita, como acontece em centenas de votações às sextas-feiras nas duas anteriores legislaturas. Foi grave o que aconteceu.
Retomada a discussão, através de iniciativas legislativas que subiram ao plenário em julho do ano passado, voltou a confirmar-se o mesmo artigo 6º.
Naquele dia de verão, houve quatro deputados do PS que votaram em sentido divergente do seu partido – Jorge Lacão, Sérgio Sousa Pinto, Marcos Perestrelo e eu próprio. Resultou dessa votação uma declaração de voto minha que agora recupero. Diz assim:
“ A Iniciativa Liberal e o CDS apresentaram dois diplomas, discutidos hoje, para a revogação do artigo 6.º da Carta dos Direitos Digitais. Eu votei a favor destas duas iniciativas e em sentido divergente do meu grupo parlamentar.
Há, nos dias de hoje, uma rejeição muito ampla desse mesmo artigo que diz: «Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.» E dá-se o poder a entidades privadas para atribuírem selos de garantia às notícias consideradas verdadeiras.
O PS apresentou, hoje também, um diploma em que tenta ir mais longe no que considera serem entidades atribuidoras do selo de garantia. Nesse diploma é dito que a Associação da Imprensa Cristã é, de forma automática, entidade idónea para a atribuição desse selo.
Vamos, então, aplicar o critério. Perante a discussão sobre a interrupção voluntária da gravidez a Associação da Imprensa Cristã não atribui selo de garantia a todas as notícias que não digam que há vida a partir do momento da conceção. Em que ficamos? Como resolvem os Deputados a consideração de verdade ou inverdade perante questões de fé, inquietações filosóficas ou propensões ideológicas? Perante conceitos de democracia que, por, exemplo, existem de forma radicalmente opostas entre partidos da esquerda parlamentar, o que pode fazer uma entidade autorizada a emitir selos de garantia? Há democracia em Cuba, ou na Venezuela? Le Pen ou Salvini são racistas e xenófobos?
Passado este tempo, antecipando um possível chumbo constitucional, o PS e o parlamento parecem estar a seguir o caminho certo. Ainda bem!