O apagão

Trump é uma inutilidade política, um homem perigoso, violento, instável, em quem não se pode confiar. É uma excrecência da democracia, um tumor que contamina as células saudáveis do regime. É um radical, que transporta com ele todos os vícios dos extremistas: arrogância, ódio, intransigência, vingança. E que considera como degenerados todos os que se opõem às suas ideias desequilibradas. Quem votar nele, sabe ao que vai.

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  • 11:52 | Segunda-feira, 01 de Julho de 2024
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O debate entre Biden e Trump só não foi um soporífero, porque um dos candidatos surpreendeu pela negativa, assustando até os indiferentes.

Foi um momento degradante, que mostrou o que estava escondido, embora se pressentisse: uma América decadente, sem vontade para se renovar. Se “aquilo” é o que os herdeiros do Tio Sam têm para oferecer ao mundo, estamos então confrontados com uma mediocridade confrangedora.

O suspeito do costume, recorrente no populismo mais primário, fez o estardalhaço de sempre, não debitou uma ideia, acusou, transformou o confronto num espectáculo grotesco, com piadas de mau gosto e despropositadas, desdenhando de quem não tem culpa da idade que carrega consigo.


Trump é uma inutilidade política, um homem perigoso, violento, instável, em quem não se pode confiar. É uma excrecência da democracia, um tumor que contamina as células saudáveis do regime. É um radical, que transporta com ele todos os vícios dos extremistas: arrogância, ódio, intransigência, vingança. E que considera como degenerados todos os que se opõem às suas ideias desequilibradas. Quem votar nele, sabe ao que vai.

Por seu turno, Biden, que devia ter entendido a sua eleição, há cinco anos, como um “Prémio Carreira”, e não se recandidatar, teve um desempenho deprimente. Perdido, trôpego, cansado, mostrou-se absolutamente incapaz de dirigir a América. Esteve titubeante, hesitante, esquecido. Com um discurso arrastado e muito lento, acabou o confronto em sérias dificuldades. Foi massacrado pelo adversário e deixou claro não reunir condições para o cargo de líder de uma superpotência. As suas fragilidades foram por demais evidentes e patéticas e as suas argumentações seguiram sucessivamente desalinhadas. O seu “inner circle” terá desejado que o final do confronto chegasse mais cedo, tal o estoiro do raciocínio e o apagão do discernimento, visíveis num rosto sumido. Com a sua prestação esclerosada, pode-se pôr em causa tudo, até as suas faculdades cognitivas e psicológicas. Para os democratas, foi um embaraço, que a “Time” muito bem definiu com a curta e crua palavra: “Panic”. Biden está doente. Custa a crer como é que os democratas se deixaram conduzir para este beco sem saída, que pode ter aberto uma passadeira vermelha para o rival. E entre um candidato diminuído, mas que quer continuar, e outro, que continua irresponsável, mas quer voltar, venha o diabo e escolha. Ambos se apresentam com o prazo de validade ultrapassado.

Se a este tempo instável e sombrio na América, que ameaça procela puxada a ventos cruzados lá para o fim do Outono, juntarmos o que se vai passando um pouco pela Europa, não faltarão ingredientes para a tempestade perfeita. Em todos os países, a extrema-direita vai crescendo.

Em França, pela primeira vez, desde a 2.ª Guerra Mundial, os radicais de direita venceram a primeira volta das eleições para a Assembleia Nacional, derrotando uma frente de esquerda, colada com cuspo, ao mesmo tempo que o partido de Macron averbou uma derrota dura.

Na Inglaterra, mesmo com a provável vitória dos Trabalhistas, os ultras de Farage, segundo as sondagens, subirão significativamente, amarrotando os conservadores de Rishi Sunak, varrido da mesa dos que contam na partilha dos cargos.

Em todos os restantes países da Europa, a direita mais radical vem somando apoios, votos e mandatos.

Entretanto, no Irão, a expectável vitória do ultraconservador e anti-Ocidente Jalili, apesar de derrotado na 1.ª volta, comporá o ramalhete do desastre político que sem exagero se antevê para o imediato.

Todos à uma, são os representantes dos longínquos cadáveres mumificados, que querem, a todo o custo, ver ressuscitados, apesar de, há décadas, numa sanha sanguinária, os mesmos terem destruído o Velho Continente, deixando-o reduzido a escombros campos de concentração valas comuns e cemitérios.

Mas nem toda a culpa é de terceiros e nem sempre dos outros. As democracias, lavrando em terreno próprio, úbere e feraz, têm criado as condições legais para que uma casta de dirigentes, a viver num limbo seguro, se alimente de imunidades e impunidades, reinando como princípes de Repúblicas agonizantes e falidas, usando e abusando de artifícios que os possam manter no poder.

O menos mau de todos os regimes tem engordado um clã altivo, com viço presunçoso, que, no carrossel do poder, vai rodando por famílias próximas, que se dão bem, juntas numa frutuosa cadeia de união, garantia de continuidade e podre alternância. Um erro estratégico. E o povo, que é sempre, e não só quando convém ao dono do circo, quem mais ordena, fartou-se, e é vê-lo a regurgitar os excessos que, durante tantos anos, lhe foram atafulhando o cérebro e tolhido as expectativas. Cansado, é natural que se entregue a quem lhe fale manso e melodioso. Pessoalmente, não lhe levo a mal, e até compreendo.

Agora, na madrugada do século XXI, se ainda formos a tempo, talvez o travão a este assustador ressurgimento de ideias e projectos totalitaristas esteja numa nova forma de fazer política, menos elitista, mais próxima, mais centrada nos problemas concretos dos cidadãos, mais cumpridora, mais escrutinada e responsabilizada. Mais séria. E a sério.

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Publicado em Opinião